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A França na rota de Vichy, outra vez
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Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense

Paulo Linhares arte e cultura

A França na rota de Vichy, outra vez

Hoje a França vai às urnas e pode aderir, de novo, às ideias nazi-fascistas
Atual presidente da França, Emmanuel Macron tem desafio em meio a extremismos  (Foto: DYLAN MARTINEZ / POOL / AFP)
Foto: DYLAN MARTINEZ / POOL / AFP Atual presidente da França, Emmanuel Macron tem desafio em meio a extremismos

A eleição francesa pode mudar muita coisa no mundo.

A avó de uma ex-amiga (quando você sai do poder e deixa caneta de assinar cheques e contratações, ganha muitos ex-amigos,é uma depuração afetiva, você descobre quem gostava da caneta e não de você) criou uma blague boa sobre nosso clássico desprezo brasileiro pela política internacional.

Sua avó contava para ela uma história do Governo Francês do Marechal Pétain e a menina perguntou: Quem era, afinal, este tal de Marechal Pétain?

A senhora que tinha vivido os dramas da segunda guerra respondeu: Menina, Pétain, a mando de Hitler, quase enfiou o dedo no teu c* e tu não sabes quem foi ele.

Pois bem, a queda da França à extrema-direita parece distante de nós. Mas essa história pode, com licença da palavra, se aproximar "dos nossos bogas", como se diz na Peri e na PI.

Vivi cinco anos por lá. Uma parte dos franceses, da elite ao francês médio, sempre foi racista e via com certo saudosismo o colaboracionismo do governo de Vichy.

Um documento recém-descoberto da era Vichy reacendeu uma das questões mais polêmicas na França do pós-guerra: até onde foi o governo de Vichy para ajudar a Alemanha nazista em seu esforço para exterminar os judeus da Europa?

A França de Vichy é o termo usado para descrever o governo francês de julho de 1940 a agosto de 1944, que foi chefiado pelo marechal Philippe Pétain e geralmente abrangia o sul, que manteve alguma autoridade legal sob ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial.

Serge Klarsfeld, um importante historiador do Holocausto e caçador de nazistas, diz que um documento recém-descoberto é uma evidência definitiva de que o líder francês do tempo de guerra Philippe Pétain era um antissemita que apoiou ativamente o holocausto.

Mas para entender esse quadro de hoje é preciso conhecer bem os três polos que vão decidir o jogo.

A extrema direita dominada pela filha (e também a sobrinha) do velho líder morto Le Pen, ao centro Macronista, e a esquerda, que se uniu sob a marca do Front Populaire.

O rassemblement Nacional da família Le Pen

Marine Le Pen. A filha do velho Le Pen pensa igual ao pai, mas foi repaginada para novos tempos.

Ao longo da carreira, o velho Le Pen deu várias declarações de cunho xenofóbico, racista e antissemita. Ficou conhecido por contestar fatos históricos sobre o Holocausto e também por ser cético quanto ao aquecimento global - em certa ocasião, abriu uma melancia e sugeriu que era como os defensores do aquecimento global - verdes por fora e vermelhos por dentro, ou "comunistas disfarçados".

A filha é ele de saias. Mas foi bem maquiada. E inventou um líder falsamente periférico Jordan Bardella, que chefiou o grupo Rassemblement National, RN, nas eleições europeias e foi indicado para Primeiro Ministro se vencer as eleições. Como Marine, Bardella é racista, xenófobo e antissemita, mas foi também exaustivamente treinado por marketeiros para mudar o tom. Um deles até escreveu um livro contando tudo.

O presidente Macron.

Emmanuel Macron é um clássico quadro da elite francesa que nasceu classe média, estudou em grandes escolas públicas e chegou a ENA, a escola de administração pública da preparação para o poder financeiro e político, uma espécie de FGV do estado, como tudo que é bom na França, com exceção dos bistrôs.

Mas Macron não é um idiota como muita gente boa pensa no Brasil. Ele fez mestrado em Filosofia. Nos anos universitários, trabalhou como assistente editorial do grande filósofo francês Paul Ricoeur, ajudando-o a publicar seu último livro.

Aos 16 anos, esse fã de teatro e de literatura se apaixonou perdidamente por sua professora de francês, Brigitte Trogneux, com 20 anos a mais do que ele, uma história de amor atípica que conquistou a imprensa. Ela era casada e tinha três filhos, mas se divorciou e eles se casaram em 2007. Isso não impediu o surgimento de boatos sobre a suposta homossexualidade do candidato, que ele mesmo desmentiu com bom humor.

Antes de entrar na política, ascendeu num grande banco francês e acumulou uma fortuna de 2,5 bilhões de dólares. É um filósofo banqueiro. Pode, Freud?

Para alguns analistas políticos europeus, Macron cometeu suicídio político, pois tem um bom tempo de mandato presidencial a cumprir.

Se a direita ganhar, resta a Macron tomar conta da politica externa, vira um fantoche, então começa um período que eles chamam de coabitação.

Por duas vezes, em eleições presidenciais anteriores (2017 e 2022), Le Pen perdeu para Macron. Agora, Macron não poderá se candidatar a um terceiro mandato, mas quer fazer sucessor.

O novo Front Popular.

A esquerda francesa atualmente é um nó cego. É um PT que se esfacelou em vários partidos.

Os três principais deles são a França Insubmissa, FI, o celho Partido Socialista que se uniu a alguns socialistas que tinham abandonado o barco liderados por Raphael Glucksmann(o Place Publique), e os ecologistas que minguam cada vez mais.

Para as eleições legislativas de 2022, diversos partidos de esquerda uniram-se numa coligação sob o nome de Nova União Popular Ecologista e Social (Nupes) e concorreram contra o RN de Marine Le Pen e a coligação Juntos de Emmanuel Macron. Embora a coligação tenha conseguido ficar em segundo lugar nas eleições, não houve acordo para formar um grupo parlamentar único. Apesar disto, a união de esquerda impediu uma maioria parlamentar à coligação de Macron. A Nupes viria a ser abalada pela divisão entre o Partido Socialista e a França Insubmissa, com os socialistas a suspenderem a sua participação na aliança fruto de diferenças com a FI na questão da Guerra Israel-Hamas.

Logo após os resultados das europeias e a decisão de Macron, François Ruffin, deputado da França Insubmissa, apelou a todos os partidos de esquerda para se unirem numa nova Frente Popular para "impedir o pior e vencer"".

No dia 10 de junho, a Nova Frente Popular foi anunciada com a adesão da França Insubmissa, Partido Socialista, Os Ecologistas, Partido Comunista Francês e do Novo Partido Anticapitalista, entre outros diversos partidos, movimentos e sindicatos apoiantes, com objetivo de "construir uma alternativa a Emmanuel Macron e combater o projeto racista da extrema-direita". O nome é uma alusão à Frente Popular dos anos 1930.

Tal como foi com a Nupes em 2022, houve um forte coro de críticas vindas de políticos do Partido Socialista, até que Raphaël Glucksmann, que liderou a lista do PS nas europeias de 2024, também se mostrou com reservas inicialmente, mas anunciou o seu apoio à coligação. Uma das maiores surpresas no apoio à NFP veio por parte de François Hollande, antigo presidente francês de 2012 a 2017 e que tinha sido um crítico da Nupes, que será inclusivamente candidato a deputado.

O grande problema da NFP é a liderança de Jean-Luc Mélenchon, o antigo líder da Franca Insubmissa (FI), é um político sem carisma, difícil de lidar e pretendente fixo ao cargo de primeiro-ministro. Como ele e Macron se detestam (ele ficou em terceiro na última presidencial), a Nova Frente Popular conseguiu que ele declarasse que não seria preferencialmente primeiro-ministro em caso de vitória das esquerdas.

E as pesquisas o que dizem para hoje? 34 % para a direita, 28% para a Nova Frente Popular e 15% para Macron.

Os dados estão lançados. Façam seus jogos.

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