
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Numa noite do verão de 1989, o filósofo e sociólogo francês Pierre Bourdieu fez uma conferência na Universidade de Freiburg, na Alemanha, por ocasião da inauguração do Centro de Pesquisas Alemanha- França.
Na abertura, ele explicitou os objetivos e limites da tarefa naquela noite: pensar em como a França e Alemanha, unidas, poderiam se contrapor ao poder dominante dos controladores da produção do conhecimento no final do século XX: os países anglo-saxônicos liderados pelos Estados Unidos e suas máquinas de publicação, prestígio científico e concessão de prêmios nobel aos borbotões.
"Gostaria, portanto, de tentar propor algumas reflexões a respeito das condições sociais da circulação internacional das ideias; ou, para empregar um vocabulário econômico que sempre produz um efeito de ruptura, a respeito do que poderíamos chamar de importação e exportação intelectual. Gostaria de descrever, senão as leis — pois não trabalhei o suficiente para poder usar uma linguagem tão pretensiosa assim — ao menos as tendências dessas trocas internacionais, que descrevemos habitualmente com uma linguagem que deve mais à mística do que à razão. Resumindo, tentarei hoje apresentar um programa para uma ciência das relações internacionais em matéria de cultura".
Antes de mais nada, ele desnudou a ideia de que os processos de circulação e consagração deles surgidos são neutros, nascidos de uma lógica puramente genial ou de reconhecimento da qualidade do conhecimento produzido:
"Acreditamos com frequência que a vida intelectual é espontaneamente internacional. Não há nada mais falso. A vida intelectual, como todos os outros espaços sociais, é o lugar de nacionalismos e imperialismos, e os intelectuais veiculam, quase tanto quanto os outros, preconceitos, estereótipos, ideias pré-concebidas, representações muito sumárias, muito elementares, que se alimentam dos acidentes da vida cotidiana, das incompreensões, dos mal-entendidos, das feridas (por exemplo, aquelas que o fato de ser desconhecido em um país estrangeiro pode infligir ao narcisismo). Tudo isso me faz pensar que a instauração de um verdadeiro internacionalismo científico, que, a meu ver, é o começo de um internacionalismo mais generalizado, não pode ocorrer sozinha. Em matéria de cultura, como em todas as outras, não acredito no laissez-faire e a intenção de minhas considerações é mostrar como, nas trocas internacionais, a lógica do laissez-faire leva muitas vezes a fazer circular o pior e a impedir o melhor de circular."
A conferência é uma curiosa tomada de posição de intelectuais de dois países que já foram dominantes em campos importantes da vida intelectual, França (Literatura) e Alemanha (Filosofia), diante do aparente avanço hegemônico de produção do conhecimento de países do Norte.
Bourdieu sabia as dores e artimanhas de onde pisava. Até chegar ao poder máximo acadêmico na França, uma cadeira de professor catedrático de Sociologia no Collège de France, desde 1981, diretor da revista "Actes de la recherche en sciences sociales" e abocanhar com seu grupo a maior parcela das verbas de humanas do seu País, Pierre Bourdieu brigou com unhas e dentes no campo de lutas do conhecimento.
Filho de um camponês de Béarn, no sudoeste da França. Ele estudou na escola de filosofia da elite, mas foi motivo de chacota pelo seu sotaque caipira. Para se defender dos preconceitos parisienses, contra camponeses do interior como ele, desenvolveu um jeito de falar e escrever tão complicado que acabou se transformando no seu estilo.
Bourdieu, descendente da linhagem de intelectuais como Michel Foucault ou Jean-Paul Sartre, foi o primeiro intelectual a enxergar o campo científico e intelectual como o lugar das mais ferozes e cruéis batalhas por prestígio e conhecimento e apontar a desigualdade entre as metrópoles dominantes e as periféricas.
Estou fazendo esse grande nariz de cera (nome que os jornalistas de putos tempos davam a abertura muito extensas das matérias) para dizer que ao completar 70 anos, a Universidade Federal do Ceará reabre o Colégio de Estudos Avançados (CEA) com uma nova equipe de direção: Tarcísio Pequeno como diretor (depois de criar o projeto Cientista Chefe, só um desafio desses para nosso filósofo), Maria Aparecida como vice-diretora e o secretário geral (cargo que os velhos comunistas adoravam) ocupado por este rebelde escriba.
E essa semana o reitor Custódio Almeida anunciou seus 25 novos conselheiros encarregados de pensar este think tank como arma dos cearenses na grande batalha da nossa participação na sociedade do conhecimento.
Custódio Almeida é um reitor ousado e com coragem para enfrentar grandes desafios.
Ele está fazendo um novo campus na Praia de Iracema, um centro cultural, um Centro de Formação Turística em Jericoacoara, entre outras cositas mas. Enfim, acredito que Custódio Almeida vai mudar o lugar da UFC na nossa estrutura de desenvolvimento, devolvendo-a ao ponto central.
A constituição de um campo de conhecimento insubmisso
O Colégio de Estudos Avançados me parece o lugar de se pensar como a disputa e a manutenção da hegemonia científica e tecnológica por países denominados centrais, em especial os Estados Unidos e Inglaterra, por um lado acirra tensões entre estes países e, por outro, parece definir o papel estratégico dos centros periféricos e suas sub regiões periféricas como nós.
É necessário enfrentar essa disputa neste campo do conhecimento, compreendendo-o como não neutro e universal. Ao contrário, é um conhecimento que carrega, desde sua gênese, disputas de poder de toda ordem (visiveis e invisiveis) e nessa ordem, pretensamente estabelecida, está o conhecimento produzido na periferia.
Ao invés do apregoado universalismo, a globalização é mais uma expressão de uma hierarquia entre o centro e a periferia do sistema mundial.
Houve um sonho de uma democratização do conhecimento com as mudanças tecnológicas. Mas o que se vê hoje, segundo a maior parte de estudiosos da construção epistemológica, é a mais radical modificação nas relações entre pesquisadores da América Latina e dos Estados Unidos e Europa.
Uma etapa que se caracteriza por uma nova divisão internacional do trabalho científico, na qual a formalização das negociações reflete uma "tendência de relações de colaboração", com o surgimento das "mega-redes". Elas se estruturam com a participação de 100, 200 e até 500 pesquisadores em "amplas regiões de pesquisa" a nível internacional, mas reservam aos pesquisadores latino-americanos apenas uma integração subordinada.
Assim, os pesquisadores de elite dos países periféricos são crescentemente convidados a participar de consórcios internacionais, mas suas condições de acesso são cada vez mais restritas e as margens de negociação tendem a ser mínimas. São o que eu conceituo como agentes pericêntricos.
Os países centrais trabalham alicerçados num processo de retroalimentação de sua hegemonia. Você pesquisa para nós, nós dizemos o que nos interessa e isso nos faz cada vez mais fortes.
Nesse contexto, estão postas tensões, crises, competitividade, e é esse o campo de luta das Universidades periféricas como a nossa federal.
Imagino que o Colégio de Estudos Avançados é uma orquestra que pode ajudar a dizer onde, o que, e como vamos tocar para que ninguém possa destruir nossos sonhos.
É o que chamo de luta pelo (re)conhecimento de uma região periférica insubmissa.
CEA-UFC
Tarcísio Pequeno (coordenador e diretor)
Maria Apercida (vice-diretora)
Paulo Linhares (secretário-geral)
Adão Linhares
Ana Miranda
Beatriz Furtado
Beatriz Xavier
Carlos Roberto Martins
César Barreira
Cláudia Linhares
Cynara Monteiro
Elisângela Teixeira
Francisco de Assis
Gazielle Albuquerque
Henry Campos
Irlys Barreira
Jawdat Abu-El-Haj
Jorge Soares
Laéria Bezerra Fontenele
Lira Neto
Luiz Drude
Manfredo de Oliveira
Marcelo Uchôa
Maria Elias
Preto Zezé
Raimundo Nogueira
Vasco Furtado
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