Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Era uma noite abafada do final de junho de 2014, quando o telefone da casa do casal do então Prefeito Veveu Arruda e sua esposa Izolda Cela tocou. O governador Cid Gomes terminava seu segundo mandato e avisava que Izolda seria a candidata do grupo a sua sucessão.
Na manhã seguinte, às sete, o telefone tocou novamente. Cid Gomes avisou que as negociações evoluíram e eles resolveram lançar o Secretário de Desenvolvimento Agrário, Camilo Santana, no lugar de Izolda.
Começou ali, naquela manhã quente de junho, o fim de um dos maiores ciclos políticos do Ceará, os chamados Governos das Mudanças, que se iniciou com a eleição de Tasso Jereissati.
No final da noite de 20 de outubro daquele ano, Camilo Santana (PT) foi eleito governador do Ceará, em uma das disputas mais acirradas do país. Ele venceu com 53,35% dos votos. O número foi maior que os 46,65% registrados pelo adversário, Eunício Oliveira (PMDB). O resultado foi praticamente o mesmo do indicado pela pesquisa de boca de urna, feita pelo instituto Ibope e divulgada às 18h, após o término da eleição.
Dia 6 de outubro de 2024, dez anos depois, se as urnas confirmarem o que dizem as pesquisas, Izolda Cela perde a eleição em Sobral, mesmo apoiada por Cid e o Prefeito Ivo, e o prefeito Sarto perde a reeleição em Fortaleza, apoiado por Ciro e Tasso. Os Ferreira Gomes, embora ainda tenham Cid no senado e Lia na assembleia, não serão mais os mesmos que decidiram os destinos do Ceará, desde quando Ciro assumiu o governo em março de 1991.
Ciro, performático orador, advogado e pensador de economia, foi quatro vezes candidato a presidente da República, uma das vezes com chances reais de vencer.
Cid foi duas vezes governador do Ceará e, como prefeito de Sobral, elaborou o mais importante plano de educação do Brasil contemporâneo.
Ivo foi prefeito de Sobral por duas vezes e indiscutivelmente, a crer em todos os indicadores, é o melhor gestor municipal do Brasil dos últimos oito anos.
Para entender como os três irmãos mais brilhantes do campo político cearense vão ser, este ano, quase varridos do mapa pelo antigo aliado, é preciso recorrer a Max Weber.
Se ainda hoje pairam dúvidas sobre as datas em que Max Weber pronunciou a conferência "Política como vocação", questionando se foi proferida em 1917 ou 1918, os estudiosos de Weber concordam que a conferência dirigida aos jovens estudantes alemães da Associação dos Estudantes Livres da Baviera, que convidou o mestre e promoveu o evento na Universidade de Munique, foi a mais importante reflexão sobre o significado a política contemporânea.
O que disse Weber de tão importante?
Ao monopolizar todas as espécies de bens suscetíveis de utilização para fins de caráter político, o Estado moderno engendrou uma racionalização progressiva da gestão política, solidificando o trabalho técnico-burocrático em detrimento de formas irracionais de legitimação do poder.
"Sociologicamente, o Estado não se deixa definir, a não ser pelo específico meio que lhe é peculiar, tal como é peculiar a todo outro agrupamento político, ou seja, o uso da coação física", disse Weber. Por política entenderemos, consequentemente, o conjunto de esforços feitos com vistas a participar do poder ou a influenciar a divisão do poder, seja entre Estados, seja no interior de um único Estado".
Em outras palavras: para Weber a política seria contemporaneamente fonte da contínua expansão da razão.
Quando Ivo Gomes, em pleno ano eleitoral, cria uma taxa de lixo e associa à conta de água, cortando a água de quem não paga o lixo, ele toma uma decisão guiada unicamente pela suposta razão de estado.
Quando Sarto toma a decisão de criar uma taxa de lixo no terceiro ano de sua administração e recebe o apoio de Ciro Gomes, elevando sua rejeição nas classes médias a índices irremovíveis, ele se guia pela mesma razão de estado.
Mas, para entender por que os Ferreira Gomes se consideram funcionários da política de estado, é preciso voltar um pouco o relógio da história.
Ciro Ferreira Gomes nasceu em Pindamonhangaba, interior de São Paulo, filho do cearense José Euclides Ferreira Gomes Júnior (1918-1996) e da paulista Maria José Santos (1928-2015).
Em 1961, aos quatro anos, a família de Ciro instalou-se em Sobral, Ceará, onde vivia toda a sua família paterna. Seu pai era defensor público e sua mãe professora.
Os Ferreira Gomes, na cidade de Sobral, sempre foram uma família de pequenos comerciantes ou funcionários públicos. Em 1975, José Euclides Ferreira Gomes, formado em direito e antropologia pela antiga Universidade do Brasil, que se tornou a Universidade Federal do Rio de Janeiro, mesmo sem militância política, foi cogitado para ser prefeito de Sobral, em um momento em que a política da cidade se alternava entre as famílias Prado e Barreto.
José Euclides era um intelectual. Não tinha experiência nem passado político. Um homem que se acreditava guiado pela razão.
Quem diz, como a maioria absoluta da imprensa sudestina, que os Ferreira Gomes são oligarcas ou coronéis não entende bulhufas os conceitos que estão usando.
Sugiro aos ignorantes lerem o clássico "A gramática política do Brasil", de Edson Nunes, ou pelo menos o prefácio de Renato Lessa.
O termo "oligarquia" perdeu boa parte de sua utilidade analítica na Ciência Política em virtude de seu uso pouco rigoroso, tornando-se mais um adjetivo de aplicação no jogo político.
O conceito de coronel precisou ser retomado por Vítor Nunes Leal, autor do também clássico "Coronelismo, enxada e voto", de 1948, no seu texto "O coronelismo e o coronelismo de cada um", para responder a alguns críticos e reafirmar o sentido do texto original.
Os Ferreira Gomes não são nem oligarcas, nem tampouco coronéis, pelo contrário, são missionários da razão política, que acreditam estar acima de tudo.
Os três estão sendo derrotados sistematicamente por um trio adepto da razão prática, que contém uma grande dose de manha e irracionalidade: José Guimarães, Eudoro Santana e Camilo Santana.
Cid, o mais pragmático dos irmãos, acreditava que a eleição de Elmano teria segundo turno e que ele voltaria para unir as partes e seguir em frente.
Não foi o que aconteceu.
Novamente nesta eleição, ele acredita que, vencendo em Sobral e fazendo mais 80 prefeitos pelo PSB, vai sentar à mesa, em 2026, com Camilo e escolher o candidato a governador. Se, desta vez, Cid estiver certo, só saberemos na noite de 6 de outubro, pois na política, como na canção de Pablo Milanez "Lo que brilla con luz propia nadie lo puede apagar, su brillo puede alcanzar la oscuridad de otras costas."
Paquitas, sim. Naquele estilo, não.
Obviamente, eu não escrevi a coluna da semana passada. Um texto sobre Paquitas até seria divertido. Mas o estilo não é o meu, como lembrou uma amiga querida. Estava imerso numa banca de seleção de professores de antropologia para meu departamento.
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