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O que (realmente) valeu a pena na Flip 2024
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Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense

Paulo Linhares arte e cultura

O que (realmente) valeu a pena na Flip 2024

Édouard Louis, Mbougar Sarr e Geni Núñez: os autores e os livros de uma flip que vai ficar na história
ESCRITORA Geni Núñez é autora de
Foto: Marcelo Hallit/Divulgação ESCRITORA Geni Núñez é autora de "Descolonizando afetos: Experimentações sobre outras formas de amar"

A Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) é hoje, do ponto de vista de prestígio, o principal festival literário do Brasil. O financiamento é assegurado por um sistema hierarquizado de patrocinadores e é conduzido pela organização sem fins lucrativos Associação Casa Azul. O Festival foi idealizado pela editora inglesa Liz Calder, da Bloomsbury, que morou no Brasil e agenciou diversos autores brasileiros, tomando como modelo o festival literário de Hay-on-Wye, no Reino Unido. O crescimento da Bloomsbury nos últimos é atribuído principalmente à série Harry Potter por J.K. Rowling

Mas eu destaco três pontos para o prestígio da Flip.

1. O envolvimento e participação ativa de autores de vários países reconhecidos internacionalmente. A Flip faz os autores e suas ideias brilharem e não negócios, como muitos outros.

2. Paraty é uma cidade linda e muito charmosa e você fica meio perdido das caretices do mundo lá fora.

3. Todo ano tem um grande homenageado. O deste ano foi João do Rio. Veja os homenageados ano a ano. Você percebe como a Flip mapeou os grandes autores do Brasil.

2003 - Vinicius de Moraes

2004 - Guimarães Rosa

2005 - Clarice Lispector

2006 - Jorge Amado

2007 - Nelson Rodrigues

2008 - Machado de Assis

2009 - Manuel Bandeira

2010 - Gilberto Freyre

2011 - Oswald de Andrade

2012 - Carlos Drummond de Andrade

2013 - Graciliano Ramos

2014 - Millôr Fernandes

2015 - Mário de Andrade

2016 - Ana Cristina Cesar

2017 - Lima Barreto

2018 - Hilda Hilst

2019 - Euclides da Cunha

2020 - Elizabeth Bishop

2021 - Não teve um homenageado individual, mas sim uma homenagem coletiva a pensadores, conhecedores e mestres indígenas que perderam a vida durante a pandemia de covid-19.

2022 -Maria Firmina dos Reis

2023 - Pagu

2024- João do Rio

Em 1994, com o nome inicial de Feira Brasileiro do Livro-Febralivro criei a primeira feira literária fora do Rio e São Paulo.

E ela tinha exatamente essas três características: Os autores eram os estrelas, cada edição tinha um grande homenageado. Jorge Amado, ainda vivo, foi o primeiro. Depois, Paulo Freire, sim ele veio para o Ceará, já bem velhinho e finalmente, Rachel de Queiroz foi a última homenageada da Feira sob o meu comando.

Depois mudaram o nome, virou Bienal do Livro, a ênfase passou a ser grandes stands de venda de livros ruins e baratos, e acabaram com os grandes homenageados. Ou seja, depois de mim, o dilúvio. he,he,he ou kkkk?

Bom, esse nariz de cera (o nome que os jornalistas davam às abertura das matérias no tempo da imprensa escrita pré tudo) está ficando muito comprido, é que tenho que defender minhas ideias, como todo criador nesta província sem memória, ou melhor, desmiolada.

Os três nomes da Flip deste ano foram: o francês Édouard Louis, o escritor senegalês Mohamed Mbougar Sarr e a indígena guarani Geni Núñez.

Édouard Louis escreveu um livro autobiográfico que se inscreve na linha de escritores que voltam às origens proletárias depois de se tornarem estrelas editoriais. Édouard em seu livro "Quem matou meu pai" conta a volta para a casa de um pai alcoólatra e homofóbico que ele nunca conseguiu amar. Dono de um projeto estético-político consistente, Louis falou de uma literatura que convida seus leitores a uma mudança existencial. Ele é trágico, mas esperançoso e não determinista.

Louis estreou com o romance autobiográfico "O Fim de Eddy", há dez anos, e todos os seus livros descrevem ele tendo crescido na pobreza, tendo vivido a violência em casa e fora dela —e também ter se tornado um outro, escapando das origens através dos estudos e da ascensão social, inventando uma nova vida intelectual e literária.

O programa Roda Viva da TV Cultura com Édouard Louis , foi um dos mais interessantes programas do Roda Viva dos últimos anos. Os livros dele são tristes, contundentes e bastante consistentes.Vou confessar uma coisa: eu gosto muito de livros autobiográficos. Louis diz que autobiografia é uma biografia coletiva e não tem nada de narcisista.

O autor senegalês Mohamed Mbougar Sarr, 34 anos, é hoje uma estrela literária global. Além de brilhante,ele teve uma rápida e fulgurante ascensão. Ganhador do prêmio Goncourt em 2021, o mais importante da língua francesa, com o livro A Mais Recôndita Memória dos Homens (Fósforo, 2023), Sarr viu seu nome e sua obra explodirem na Europa.

O livro é baseado no clássico do Chileno Roberto Bolano "Detetives Selvagens" e conta a odisseia de um jovem escritor senegalês radicado em Paris, Diégane Latyr Faye, que parte em busca do misterioso T. C. Elimane, autor de um magistral livro chamado O Labirinto do Inumano, lançado nos anos 30 e retirado sem explicação do mercado.

"A mais recôndita memória dos homens" é foda.

Estou lendo embasbacado. Como escreve esse Mohamed MBougar. Quando terminar resenho aqui para vocês.

Geni Núñez com seu livro "Descolonizando afetos". Experimentações sobre outras formas de amar" foi uma das mais vendidas escritoras da Flip. Ela é guarani. Aos 32 anos, a psicóloga e acadêmica guarani divide seu tempo entre a escrita profissional sobre sexualidade e amor não monogâmico e as sessões de escuta psicanalítica com grupos de indígenas.

No prefácio do livro, Ailton Krenak diz que a autora "em seu dedicado e sensível mergulho, desvela memórias de relações entre gêneros de povos originários, antes da invasão europeia, pontuando a violência da catequese como controle dos corpos e a imposição de uma moral cristã castradora". Criticando a moral colonial que persiste até hoje, Geni crítica a monogamia e defende afetos que não se cristalizam em propriedade.

Um negro senegalês, um branco francês de origem proletária ,e uma psicanalista guarani: três escritores viscerais e arrebatadores.

2024 foi o ano de uma Flip que vai entrar para a história do livro no Brasil.

 

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