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A piscina e os picolés Kibon
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Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense

Paulo Linhares arte e cultura

A piscina e os picolés Kibon

O ressentimento de Bolsonaro contra Rubens Paiva na formação da ideologia de extrema direita no Brasil
Tipo Opinião
Ex-deputado Rubens Paiva, vítima da ditadura brasileira, tema do filme
Foto: Acervo Familiar Ex-deputado Rubens Paiva, vítima da ditadura brasileira, tema do filme "Ainda estou aqui"

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No dia 29 de novembro de 1914, o então jornalista e escritor do jornal "Avanti!", Benito Mussolini, foi expulso do partido socialista. O que levou, portanto, à ruptura de Mussolini com o socialismo, ao ponto de se transformar num ferrenho opositor dos socialistas e construir contra eles sua própria corrente, o fascismo?

Segundo o vencedor do prêmio Pulitzer de Biografia, David Kertzer, em seu livro "O Papa e Mussolini": "Ele (Mussolini) percebeu que o caos que cercava o fim da Grande Guerra tinha criado um vazio, e sua intenção era preenchê-lo". Dessa forma, após sua saída dos círculos socialistas, Mussolini lança seu próprio jornal, "Il Popolo d'Italia", apoiado por industriais poderosos que se beneficiaram com a entrada da Itália na guerra, e que permaneceria por mais três décadas como o veículo de comunicação do ditador.

O Papa e Mussolini, obra vencedora do prêmio Pulitzer de Biografia(Foto: Amazon/Divulgação)
Foto: Amazon/Divulgação O Papa e Mussolini, obra vencedora do prêmio Pulitzer de Biografia

Concomitantemente, foram constituídas as células revolucionárias, as "Fasci d'azione rivoluzionaria", que pediam o fim da monarquia e a entrada da Itália na guerra. Imerso num clima de constante crise econômica, Mussolini encontra um eleitorado natural para firmar seus propósitos antidemocráticos: veteranos de regresso à Itália, ex-militares e combatentes fracassados, parte dos desempregados insatisfeitos com a falta de oportunidade, além dos próprios industriais e empresários que viam a possibilidade de lucro no apoio ao líder anticomunista.

Explorando seu nacionalismo, no intuito de controlar sua belicosa prole política, Mussolini abandonava os velhos camaradas socialistas e abraçava novas crenças, sem pestanejar, apresentando-se como representante "da ordem, da lei e do orgulho nacional".

Bolsonaro passou parte de sua infância e adolescência numa cidadezinha de 15 mil habitantes do interior de São Paulo chamada Eldorado Paulista.

Durante a adolescência do ex-presidente, Jaime Almeida Paiva era o homem mais rico da pobre Eldorado. Dono de uma das maiores fazendas do Vale do Ribeira, "Dr. Jaime" era pai do deputado opositor à ditadura e desaparecido político Rubens Paiva, alvo de acusações de Bolsonaro durante toda a vida pública.

Apesar de Bolsonaro ter nascido em Glicério e vivido em várias partes do estado de São Paulo, é em Eldorado que alguns de seus temas favoritos têm origem.

BOLSONARO passou a vida política criticando Rubens Paiva, ex-deputado desaparecido na ditadura brasileira(Foto: MIGUEL SCHINCARIOL / AFP)
Foto: MIGUEL SCHINCARIOL / AFP BOLSONARO passou a vida política criticando Rubens Paiva, ex-deputado desaparecido na ditadura brasileira

Bolsonaro passou sua vida política criticando Rubens Paiva, ex-deputado federal que fez oposição ao regime militar e desapareceu em 1971. Paiva aparece com frequência nas falas do presidente sobre a ditadura, um dos temas frequentes em seus discursos.

No plenário da Câmara, Bolsonaro chegou a negar que o deputado tenha morrido durante uma sessão de tortura, como foi atestado pela Comissão Nacional da Verdade, e, ao longo dos anos, fez várias acusações contra ele. Uma delas é a de que Rubens Paiva ajudou o ex-capitão do Exército Carlos Lamarca a montar uma guerrilha no Vale do Ribeira, onde fica Eldorado. Não há provas de que essa colaboração tenha acontecido.

"Por coincidência, a família de Rubens Paiva tinha uma fazenda na cidade de Eldorado Paulista, no Vale do Ribeira, São Paulo, chamada Fazenda Caraitá. O sr. Rubens Paiva fez com que o guerrilheiro, traidor e desertor Lamarca ocupasse a sua fazenda e lá fizesse uma base de guerrilha", disse Bolsonaro em sessão de 2013.

A fazenda Caraitá sustentou a economia de Eldorado dos anos 1950 até meados de 1970. Jaime Paiva, como os moradores ainda chamam o empresário de Santos que se tornou um grande fazendeiro do Vale do Ribeira, começou a comprar terras ali em 1941. Sua propriedade só foi vendida em 1975, depois de Bolsonaro mudar-se para Resende (RJ), onde começou sua carreira militar.

Jaime Paiva tinha plantações de banana e laranja, criações de gado e uma serraria de móveis, além de ser responsável pela Rainha da Laranja, festa importante do ano, organizada pela família.

Mais do que uma liderança informal, Paiva foi prefeito duas vezes. Na primeira, de 1956 a 1959, fez a ponte sobre o rio Ribeira e uma das escolas locais. Na segunda, em 1968, eleito pela Arena, partido da ditadura, ficou pouco menos de um ano.

Escrito pelo jornalista Jason Tércio, o livro Segredo de Estado - O desaparecimento de Rubens Paiva traz uma narrativa sobre a violência de estado contra esse político brasileiro na época da ditadura(Foto: Companhia das Letras)
Foto: Companhia das Letras Escrito pelo jornalista Jason Tércio, o livro Segredo de Estado - O desaparecimento de Rubens Paiva traz uma narrativa sobre a violência de estado contra esse político brasileiro na época da ditadura

Em livro sobre o caso de Rubens Paiva, "Segredo de Estado", o jornalista Jason Tércio conta que o deputado chamava o seu pai de "coronel" e discutia com ele sobre política. Em diálogo reconstruído por Tércio durante a ceia de Natal de 1970, na fazenda Caraitá, Jaime teria dito a Rubens: "a única política que tu deve fazer com os militares é a política da boa vizinhança".

Nessa época, Rubens havia voltado do exílio há anos, depois de ter seu mandato pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) cassado após o golpe de 1964 depois de um discurso heroico criticando o golpe, e trabalhava como engenheiro civil. No entanto, como o filme "Ainda estou aqui" mostra, sutilmente, ele ainda ajudava perseguidos políticos a sair do país e mantinha contato com exilados.

Menos de um mês depois daquele Natal, em janeiro de 1971, Rubens Paiva seria levado por militares para depor e não voltaria nunca mais, exatamente como narra o filme.

O pai de Bolsonaro, Percy Geraldo Bolsonaro, trabalhava como dentista prático: fazia extrações, obturações, próteses, mesmo sem ter instrução universitária.

Na biografia "Mito ou Verdade: Jair Messias Bolsonaro", escrita por seu filho Flávio Bolsonaro, Flávio escreve que "parte considerável do território da cidade de Eldorado Paulista era de domínio particular, uma fazenda enorme chamada Caraitá - que hoje seria um latifúndio".

Na mesma página, é mencionada a chácara de Rubens Paiva, que aparece como irmão e não como filho de Jaime Paiva - Rubens tinha um irmão chamado Jaime, mas este não era dono da fazenda, como foi escrito na biografia.

Nessa chácara, escreve Flávio, "tinha piscina, algo raro à época, mas que não era socializada com a criançada da vizinhança - que ficava apenas admirando, de longe, onde os filhos da família Paiva se refrescavam".

Em 2014, o então parlamentar do PP Jair Bolsonaro cuspiu no busto que a Câmara inaugurou em homenagem a Rubens Paiva. O neto do homenageado, Chico Paiva, contou que sua mãe e tia faziam discursos emocionados quando foram interrompidas. "Era Jair Bolsonaro, junto com alguns amigos (talvez fossem os filhos, na época eu não sabia quem eram), que se deu ao trabalho de sair de seu gabinete e vir em nossa direção, gritando que 'Rubens Paiva teve o que mereceu, comunista desgraçado, vagabundo!'. Ao passar por nós, deu uma cusparada no busto. Uma cusparada. Em uma homenagem a um colega de deputado brutalmente assassinado", lembra.

Os Paiva deixaram Eldorado nos anos 1970 e hoje os Bolsonaro são a família mais rica da cidade. Os irmãos do presidente têm uma rede de lojas de móveis e de material de construção presente em mais de dez municípios do Vale do Ribeira.

Bolsonaro, como Mussolini, aproveitou o sentimento de militares e dos milionários paulistas e sulistas e criou um movimento de extrema-direita nascido do ressentimento (os milicos) e do oportunismo financeiro (a elite do agro e da Faria Lima).

Não estou falando de ressentimento como patologia política. Mas o ressentimento como gatilho de motivação para impasses da realidade material e intelectual. O filósofo Vladimir Safatle tem um interessante texto onde critica o uso de conceitos da psicologia - especialmente o "ressentimento" - para explicar o apoio à extrema-direita. O argumento é que o recurso a tais conceitos leva a crer que a adesão à extrema-direita é uma reação patológica das sociedades contra a democracia, advinda de processos irracionais, como as "regressões", no sentido psicanalítico.

É sempre motivo de enormes erros explicar processos políticos através de um viés moral. Mas acho que é importante reconhecer a forma pela qual o "ressentimento" é utilizado em determinados momentos de um vácuo político.

Como explicam, em artigo recente na revista "Piauí", Cesar Zucco, David Samuels e Fernando Mello em outro artigo ("O ressentimento é real"): "Os gatilhos do ressentimento variam conforme o contexto, mas em todos os casos há alguma relação com mudanças econômicas e sociais concretas e a maneira como são percebidas. Em todos os países nos quais o conceito veio à baila para explicar a ascensão da extrema-direita, notou-se que há uma relação entre o ressentimento e a percepção da realidade".

Nesse sentido, não deixa de ser significativo as duas lembranças, os gatilhos mais dolorosos citados por Bolsonaro são: a não socialização do uso da piscina e os picolés Kibon inacessíveis para os meninos da cidade, com seus palitos caçados pela garotada que poderiam ter brindes de recompensa.

Como no caso de Mussolini, nos anos pós-primeira guerra (ressentimentos intelectuais de classe), os ressentimentos sociais de Bolsonaro ainda estão aí, na sua cabeça.

Onde eu compro vinhos e o que compro nas lojas (físicas) de Fortaleza

Wine (Santos Dumont, 2813) é a maior loja de vinhos online da América Latina e uma das maiores do mundo. Tem um clube badalado, que oferece muitos descontos. O atendimento é muito bom, mas confesso que as ofertas se repetem. Uso quando prefiro vinhos bons e baratos.

World Wine RioMar (shopping RioMar) é o que o nome diz: um padrão mais caro e diversificado de importantes terroirs, tanto do velho, quanto do novo mundo. Você também encontra boas bebidas destiladas, cervejas, chás, produtos gourmet e acessórios.

Grand Cru (Dom Luís, 1010) é sinônimo de "o melhor terroir". A expressão francesa "grand cru" é aplicada para vinhos muitos bons com características geográficas que lhes permitem um padrão de excelência no plantio de uvas. Aqui o tiro é mais caro, mas a recompensa maior para franceses e italianos. Mas não vale a pena, caso você não queira gastar mais de R$200 por garrafa.

Brava Wine (Av. Padre Antônio Tomás, 850) é a maior distribuidora da Cidade. Controla quase todo o mercado de restaurantes e bares. Então, o que você encontra nos restaurantes é um lugar comum nas ofertas por lá.

Mercadinhos São Luiz, nas sextas e sábados, colocam uma série de vinhos em promoção. A oferta anda um pouco repetitiva e sem brilho. Mas confesso que sou viciado em esperar alguma novidade boa como as de outrora. Se você um dia quiser me matar, me procure na loja da Virgílio Távora.

 

Foto do Paulo Linhares

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