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Melhores (e piores) de um ano ruim
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Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense

Paulo Linhares arte e cultura

Melhores (e piores) de um ano ruim

Até quando estaremos aqui?
Tipo Análise
MILEI encontrou Donald Trump na Flórida na última quinta-feira. Eles fizeram elogios mútuos (Foto: JOE RAEDLE / Getty Images via AFP)
Foto: JOE RAEDLE / Getty Images via AFP MILEI encontrou Donald Trump na Flórida na última quinta-feira. Eles fizeram elogios mútuos

2024 vai ser lembrado como um ano em que começou uma tempestade política sem precedentes na história moderna.

O renascimento das forças fascistas e neonazistas na Alemanha, França e Itália. A vitória de Trump/Musk e a formação de um governo antidemocrático nos Estados Unidos. A desenfreada ação do congresso brasileiro mais conservador e despreparado nas últimas décadas, quando se imaginava que piorar não seria possível. O enlouquecido mercado associado a forças rentistas lideradas pela "Folha de S. Paulo" de Luís Frias, tentando destruir Lula e controlar de vez o país, tudo somado parece anunciar a tempestade perfeita para 2025.

Na grande síntese de Giorgio Agamben: "o capitalismo é uma religião e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece redenção nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro". Em síntese, Deus não morreu, ele se tornou dinheiro.

Até os evangélicos, que vinham surfando na onda, estão enfrentando agora um inimigo mais terrivelmente ligado ao Deus dinheiro, as Bets. A pobreza agora, no seu extremo desespero, prefere jogar do que pagar dízimos. Tentarei na primeira coluna do ano fazer uma lista das melhores (e piores) do ano.

 


Livro. "O Mau Selvagem", de Lira Neto

Vocês não leram e só vão ter acesso em fevereiro por força da Amazon que dita o calendário editorial do Brasil. Mas eu li e considero um livro fundamental para entender o Brasil.

A biografia de Oswald de Andrade escrita pelo cearense traz todas as loucuras, para o bem e para o mal, do paulistano mais genial de todos os tempos.

De herdeiro de um pai especulador imobiliário milionário a escritor de vanguarda e de esquerda falido, Oswald (pronuncia-se com o acento paroxítona) foi o primeiro a discutir com humor e originalidade algumas questões fundamentais que se tornaram dilemas centrais do Brasil: a catequese, o impacto dos colonizadores sobre as ideias coloniais (a antropofagia é um conceito central, hoje), a força da grana que constrói e destrói coisas belas (Caetano foi o único compositor popular a entender Oswald), e finalmente durante e após sua experiência afetiva e política com Pagu, os limites das ideias socialistas numa sociedade escravocrata.

Lira, na classificação de Ezra Pound, é um mestre (segundo Décio Pignatari, o concretista paulista oswaldiano, Chico Buarque é mestre e Caetano é inventor).

Como biógrafo ele tem que ser mestre. Biógrafo inventor é ficcionista.

Enfim, "O mau selvagem" será meu livro de cabeceira por muito tempo pois elucida, destrincha, documenta com muito fôlego e garra, a vida e morte de um dos dez brasileiros mais importantes do século XX.

Jude Law em
Jude Law em "Firebrand, O jogo da Rainha", de Karim Ainouz

Streaming. "O Jogo Da Rainha". Karim Pra Inglês Ver e a Argélia de seu pai

A primeira experiência do cearense Karim Aïnouz em território inglês, "Firebrand" (veja na Prime) foi o melhor trabalho audiovisual dos cearenses no ano na minha opinião. Vou repetir o que disse anteriormente. Karin faz um trama histórica intimista e detalha a crueldade de Henrique VIII e a putrefação da sua perna e do reino.

Mas "Firebrand" (em português "O jogo da rainha"), que pode ser traduzido livremente como a incendiária, é totalmente concentrado na luta desesperada da sexta mulher do rei inglês, Catarina Parr, contra a crueldade do seu marido. Alicia Vikander é uma rainha consciente da periculosidade do seu casamento. Henrique já havia assassinado duas e mandando ao desterro outras três e a rainha era adepta de ideias protestantes que ainda soavam como heresia.

Jude Law, com a cara grande de Henrique XVII, numa caracterização que o torna difícil de identificar à primeira vista, faz um rei obcecado e paranoico ao mesmo tempo por Catarina e suas ideias. É um papel gigantesco, de uma força dramática assustadora.

O "Jogo da Rainha" é um filme de diretor que consegue tirar sangue, suor e lágrimas de Alicia Vikander e do magistral Jude Law.

Quem quiser mais Karim pode assistir o documentário que ele fez sobre seu pai, "O Marinheiro das Montanhas" (disponível na Globoplay).

Karim é filho de uma professora da UFC e um pai argelino. No documentário, ele volta à região da Cabília (uma região montanhosa do norte da Argélia) e segue os rastros de seu pai. O filme é um diário de viagem filmado na primeira ida de Karim Aïnouz à Argélia.

Ele usa registros da viagem, filmagens caseiras, fotografias de família, arquivos históricos e trechos de super-8, para contar a história de amor dos pais do diretor, a Guerra de Independência Argelina, memórias de infância e os contrastes entre Cabília, uma região montanhosa no norte da Argélia, e Fortaleza, cidade natal de Karim e de sua mãe, Iracema.

É um filme sensível e sofisticado, antropologicamente, ao mesmo tempo.

O melhor restaurante da Cidade: Gingado

O restaurante do ano é o Gingado (rua Eduardo Garcia, 201). Comandado pela chef Lorena Machado, o restaurante criado pelo talentoso chef português Marco Gil, que está abrindo o Ciranda na minha Varjota, tem hoje uma culinária que junta ingredientes de qualidade a um desenho gastronômico que faz jus ao nome do lugar.

Quem não provou a bochecha de porco e carioquinha, trio de mini carioquinhas com bochecha assada lentamente, acompanhada de maioneses de agrião, geleia de cebola e picles, não sabe o que é bom.

E a codorna frita recheada com cogumelos é simples, bem pensada e saborosa.

Um bistrô pequeno, com boa carta de vinhos, que só tem um senão: os maus modos cearenses de falar alto num lugar pequeno, criado para ser curtido falando baixinho. Será que eles não entendem que ninguém quer saber conversa da mesa ao lado?

Enfim, Lorena Machado arrasou num ano de muitas novidades na Cidade.

Primeiro dia de horário eleitoral gratuito - José Sarto
Primeiro dia de horário eleitoral gratuito - José Sarto

O pior dos nossos poderosos chefões

Nossos três poderosos chefões - Camilo, Elmano, Sarto - saíram chamuscados de 2024.

Elmano por aprovar uma lei de uso de drones para pulverização de agrotóxicos feita por um bolsonarista agressivo e ameaçador.

Camilo por apressar a carreira da esposa lhe jogando no TCE.

Mas o pior de tudo (dizem que na política o mais feio é perder) foi a campanha tiktokeana de Sarto, aqueles oclinhos cafonas que prefiro esquecer as alcunhas, lançando ao ridículo sua gestão.

Foto do Paulo Linhares

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