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Me pergunto em que momento os dinossauros sentiram que algo andava mal.
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Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense

Paulo Linhares arte e cultura

Me pergunto em que momento os dinossauros sentiram que algo andava mal.

Estou me lembrando do fim do século XX porque essa modernidade com Trump, Musk e os debiloides das Big Techs realmente acabou
Tipo Opinião
Baudrillard argumentava que a modernidade avançada se caracteriza pela crescente predominâncida da simulação sobre a realidade.
 (Foto: DOMÍNIO PÚBLICO)
Foto: DOMÍNIO PÚBLICO Baudrillard argumentava que a modernidade avançada se caracteriza pela crescente predominâncida da simulação sobre a realidade.

Hoje à noite, vendo na TV o vídeo que Trump mandou produzir e divulgar sobre Gaza, me lembrei de quando os principais filósofos e pensadores do fim do século XX descobriram que a modernidade estava fazendo água e que era um projeto furado. Muitos filósofos pensaram a modernidade tardia, pós-modernidade ou modernidade líquida. Eu chamo os três que mais estudei de "Os três BBB do fim da modernidade": Baudrillard, Bourdieu e Bauman.

Estudei quatro semestres com Jean Baudrillard. Ele era um baixinho invocado, sempre com cara de quem iria armar uma confusão. Suas aulas eram numa quebrada estranha, um puxadinho da École Polytechnique de Paris.

Um dia perguntei ao meu orientador porque Baudrillard lecionava naquele buraco. Michel Maffesoli me respondeu que Baudrillard era meio marginal na academia francesa e ele tinha conseguido a muito custo aquele lugar.

Os seminários de Baudrillard eram assim: ele está sentado na última cadeira, enrolando um cigarro de fumo caipira. Um professor auxiliar apresentava um panorama da discussão sempre do ponto de vista clássico, bem economicista. Na segunda parte, Baudrillard detonava tudo.

O que ele dizia? Vou apresentar uma síntese sempre do ponto de partida do Holocausto, quando a modernidade começou a fazer merda.

Baudrillard argumentava que a modernidade avançada se caracteriza pela crescente predominância da simulação sobre a realidade. A hiper-realidade, produzida pela mídia e pela cultura de massa, satura o mundo com imagens e signos que obscurecem a distinção entre o real e o simulacro. O Holocausto, nesse contexto, se torna um evento paradoxal. Sua enormidade e brutalidade desafiam qualquer tentativa de representação adequada. As imagens e narrativas sobre o Holocausto, embora pretendam documentar a realidade, podem acabar contribuindo para sua banalização e dessacralização. A repetição incessante, a transformação em espetáculo midiático, gera uma espécie de "realidade simulada" que impede uma compreensão profunda do evento e suas implicações. O Holocausto, para Baudrillard, expõe a falência da linguagem e dos sistemas simbólicos modernos em lidar com o trauma e a experiência extrema.

O segundo deles era Bourdieu. Ele era um inimigo do meu orientador, Michel Maffesoli. Os dois se xingavam pelo Le Monde. Eu comecei a achar que Bourdieu tinha razão nos seus argumentos. E passei a frequentar os seus seminários no colégio de France. Era um negócio chiquérrimo. Uma multidão disputava um lugar. E pensar que Bourdieu quase perdeu aquela cátedra para Fernando Henrique Cardoso. O padrinho de FHC era ninguém menos que, pasmem, Michel Foucault. Bourdieu também era um baixinho enfezado.

A análise de Bourdieu destacava a importância das estruturas sociais na produção e reprodução das desigualdades. O Holocausto, para ele, evidenciava como as estruturas de poder e dominação podem ser instrumentalizadas para justificar a violência extrema. O antissemitismo, enraizado na história e na cultura europeia, foi usado como capital simbólico para legitimar a exclusão e a eliminação dos judeus. A construção de uma imagem negativa dos judeus, reforçada pela mídia e pelas elites intelectuais, contribuiu para a sua desumanização e a aceitação do genocídio. Se pensarmos com os conceitos de Bourdieu, veremos como a hierarquia social e os mecanismos de distinção, fundamentais em sua teoria dos campos sociais, contribuíram para a tolerância ou mesmo a aceitação do Holocausto. A competição por recursos, prestígio e reconhecimento pode levar à criação de "inimigos" convenientes para justificar a violência e a exclusão. O Holocausto, nesse sentido, seria um exemplo extremo da capacidade do sistema social de reproduzir as desigualdades e justificar a violência contra grupos. O Holocausto não é apenas um evento histórico, mas um
evento crítico que expõe as contradições e os limites da modernidade.

O terceiro BBB que pensou o fim da modernidade foi Bauman. Ele virou no Brasil um guru de mocinhas e mocinhos deprimidos. E vendeu livros como nenhum outro filósofo. Bauman começou a pensar a crise da modernidade num livro clássico chamado "Modernidade e Holocausto". Ele Bauman mostra como a burocracia eficiente que organizou a "solução final", a perversão da racionalidade instrumental moderna, que, desvinculada de valores éticos, pode ser usada para fins monstruosos. A fragilidade das identidades e a falta de solidariedade, características da modernidade líquida, facilitaram a desumanização dos judeus, transformando-os em "inimigos" anônimos e descartáveis. A crise da modernidade, para Bauman, era uma crise de legitimidade e confiança nas instituições modernas, que se mostraram incapazes de prevenir ou interromper o genocídio.

Estou me lembrando do fim do século XX porque essa modernidade com Trump, Musk e os debiloides das Big Techs realmente acabou.

O desafio agora é saber o tamanho da catástrofe que vem aí. Fim da linha ambiental, fim da linha política com o fim da razão democrática, fim da linha social com o fim do emprego. E a questão central é entender que os imigrantes dos países ricos são os judeus de hoje.

Estamos no começo de uma nova idade média.

Ah, a frase acima é da argentina Júlia Wahmann. Os dinossauros da filosofia achavam que a modernidade ia mal no fim do século XX. E os dinos do século XXI, quando vão descobrir que a modernidade já era? O novo conceito é de tecnofeudalismo de Yanis Varoufakis e sinaliza que o capital produtivo foi substituído pelo "capital em nuvem", sinalizando uma mudança para um novo regime de produção, moldando um sistema centralmente baseado na extração de trabalho não remunerado. Agora temos bens de capital que não foram criados para produzir, mas para manipular comportamentos. Isso ocorre por meio de um processo dialético no qual as big techs incitam bilhões de pessoas a realizar trabalho não remunerado, muitas vezes sem que elas saibam, para repor estoque de capital em nuvem.

Quem não se comunica, se trumpica.

Um dos meus dois ou três leitores me encontra numa calçada da minha Varjota e pergunta o "porquê" de eu não fazer análises de comunicação, um dos campos nos quais estudei e trabalhei parte da minha vida profissional.

Aí vai: no Ceará, o último viral foi do Capitão Wagner e seu "vídeo do café da manhã". Careta. Equivocado politicamente. Mas um refresco para sua imagem meio fora
de tempo.

Elmano teve notícias maravilhosas sobre o desempenho da economia. Vai saber usá-las?

E o duelo do sargento Reginauro e Chagas foi o momento "velho oeste". Detalhe: não é fácil enfrentar o sargento. O cara é muito inteligente. Mesmo estando eu e ele em campos totalmente opostos, adoro quando surge uma surpresa como ele.

No nacional, Sidônio teve sua grande estreia com o pronunciamento de Lula. Na minha opinião, esperava-se uma bomba, veio um traque.
Mais do mesmo.

Camilo gravou uma reunião no seu gabinete com a equipe radiante com a citação do Lula do Pé-de-Meia. Uma peça muito interessante pela confiança transmitida. Ele anda fazendo suas gravações manuseando o celular com competência.

Já Haddad foi o grande perdedor da semana e dos últimos meses. Ele, sim, precisa demais de um Sidônio. Sempre apresentando impasses e não soluções. Com uma cara triste e descabelado. Uma pena como um quadro tão preparado e brilhante (mesmo sem carisma) anda se perdendo nos labirintos da economia pensada sem política. Ele e Ciro - que, por sinal, ressurgiu muito bem
nas pesquisas.

Enfim, quem quiser entender o que eu disse acima, assista três posts: no Instagram:

  1. Café da manhã em família - do capitão Wagner
  2. Camilo no MEC - depois da fala de Lula
  3. Trump em Gaza
Foto do Paulo Linhares

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