
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Sempre foi um desafio analisar a sociedade brasileira. A partir de 1930, os grandes intelectuais brasileiros se lançaram a enfrentar este desafio com unhas e dentes. Foram escritos então os livros que inventaram o Brasil: "Raízes do Brasil" (Sérgio Buarque de Holanda), "Casa Grande & Senzala" (Gilberto Freyre), "Formação do Brasil Contemporâneo" (Caio Prado Júnior).
Hoje, quase 100 anos depois, diante de um País que ainda não curou as feridas da longa escravidão e cada dia mais confrontado com visões opostas de saídas, o sociólogo Sérgio Costa escreveu "Desiguais e divididos: uma interpretação do Brasil polarizado". O Colégio de Estudos Avançados da Universidade Federal do Ceará (UFC) convidou Sérgio Costa para apresentar o livro no Auditório Professor Antônio Martins Filho, na terça-feira, 29, às 20 horas.
Sérgio Costa parte de 2003 (início dos governos do PT) e percorre os dois primeiros mandatos de Lula, o impeachment de Dilma e a volta de Lula à presidência em um percurso de 21 anos. Para ele, os governos do PT, principalmente de 2003 a 2014, mexeram com as hierarquias sociais, provocando deslocamentos interseccionais no tecido social brasileiro. "O que significa interseccionalidade?", me perguntará um leitor desconfiado de tanto "sociologuês".
Ah, esse é um dos conceitos mais importantes do momento. Infelizmente, não podemos trafegar na selva do pensamento sem decifrar os novos conceitos (A. Pontes dizia "Chegaram as novas palavras para pensar"). A interseccionalidade é como distintas categorias sociais, como raça, gênero, classe e orientação sexual, se cruzam e interagem, criando experiências de opressão ou privilégio que não podem ser totalmente compreendidas ao considerar cada categoria isoladamente. O termo foi criado pela jurista Kimberlé Williams Crenshaw na década de 1980 para descrever a experiência das mulheres negras que enfrentam discriminação tanto por sua raça quanto por seu gênero.
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As políticas públicas, por exemplo, hoje são centradas em questões de raça, classe e gênero. Para Costa, isso também passa por percepções de classe. Com o fenômeno de junho de 2013, vamos entendendo que não só a insatisfação de grupos específicos, que perderam economicamente, aumenta, mas também quando um sentimento de "perda de um mundo como era".
No meio deste período tumultuado, duas lideranças se consolidam: um nordestino vindo do chão de fábrica da indústria automobilística e um militar punido com prisão e sem expressão no Congresso Nacional, um par de opostos conectados. Nos ajudar a pensar nosso tempo, nossos enigmas e tentar entender como cada um de nós caminhamos nestes tempos confusos é o que o professor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Livre de Berlim nos propõe.
Ciência ou não importa o que, a sociologia não consegue responder a tantas perguntas sozinha. Ela jamais conseguiu ser a ciência experimental dos fatos sociais como o pai fundador Durkheim queria. Mas o fino raciocínio sociológico de Sérgio Costa cria num espaço lógico do raciocínio, como diria Wittgenstein, e faz os enigmas terem rumos, sentidos. Já é melhor do que o caos mental. Vamos todos à conferência de Sérgio Costa. Depois tem até coquetel e a gente fala mal uns dos outros, elegantemente, claro.
As 25 mulheres de Irlys
Estou lendo e gostando muito do livro da professora e pensadora cearense Irlys Barreira. São 25 contos, sinopses curtas que insinuam e apresentam, com sutil delicadeza, aspectos definidores das vidas dessas mulheres. E que força de estilo tem Irlys, com a sua mão leve e sensível. Me lembrei de quase todas as mulheres da minha vida: minha mãe, irmãs, namoradas, companheiras… Todas estão no livro de Irlys em algum momento.
Está bem construído todo o livro, aliás, também muito bem escrito (são coisas bem diferentes). Mulheres tristes, enciumadas, caladas, atropeladas. Quase todas carregando muita dor. Como cantou Chico Buarque: "Ouça um bom conselho, que eu lhe dou de graça, inútil dormir que a dor não passa". Enfim, as 25 mulheres de Irlys têm em comum um traço cultural cearense que é interseccional. Atravessa cor, classe, uma tristeza imensa.
Penso em um filme com quatro contos. Neste ponto, creio que alguns contos poderiam, em algumas ocasiões, verticalizar os argumentos. Mas aí é que já me pego querendo editar esta joia que é "Mulheres em Ponto Cruz" (Editora Primavera). O livro é um biscoito fino que deve ser devorado por todos. Leiam.
O café dos intelectuais e escritores cearenses do século XIX está de volta
Foi (re)inaugurado o Café Java. Os cafés eram uma tradição do Centro da Cidade no fim do século XIX, ponto de encontro de intelectuais. Servia-se café, aluá, licor, cachaça, vinho, refresco e caldo de cana. O Java está localizado no calçadão entre a Rua do Rosário e a Rua Guilherme Rocha, próximo ao Palácio da Luz - casa da Academia Cearense de Letras (ACL).
O pioneiro foi o Java, construído em 1892, localizado na esquina noroeste da praça do Ferreira, famoso por acolher a Padaria Espiritual — um grupo de intelectuais endiabrados sob a liderança do poeta Antônio Sales. Seu primeiro proprietário foi Manuel Ferreira dos Santos, o Mané Côco. Naquele tempo, Mané Côco era uma figura de popularidade. Antônio Sales dizia sobre o dono do Java que, se estivesse em Paris, ele estaria à frente de um dos cafés de Montmartre.
O Java, o Café Elegante, o Café do Comércio (o maior deles), e o Café Iracema, cada um ocupava um canto da Praça do Ferreira.
Um dia, no ano de 1920, ao sair de uma sessão de cinema, Antônio Sales notou que os cafés estavam sendo demolidos, inclusive o seu amado Café Java, e escreveu: "Esta noite, ao sair do cinema, parei defronte dos destroços fúnebres do Café Java, sacrificado à estética da Praça do Ferreira, que é o centro vital de nossa urbe. E nessa contemplação, veio-me uma grande tristeza e uma grande saudade". Demolir os cafés foi uma ideia do prefeito Godofredo Maciel.
A ideia de lembrar esses tempos foi de Tales de Sá Cavalcante, presidente da ACL. Tales é uma força da natureza. Está dando uma acelerada na Academia Cearense de Letras que é bem interessante.
Só falta uma coisa: um nome para a Praça do Café. Na minha humilde opinião (ô caba modesto), deveria ser Gilmar de Carvalho, o maior intelectual anti beletrista da Cidade. Jamais entraria na academia.
E aí está a beleza da homenagem.
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