
Escreveu livros de literatura fantástica e de contos, como
Escreveu livros de literatura fantástica e de contos, como
Dom Heládio descia do trem, pequena mala de viagem à mão, e caminhava devagarinho pela rua empoeirada. Deveria faltar muito para a meia-noite. Pensou ter avistado um casal sentado em cadeiras de balanço; em seguida, apurava bem a vista e não mais o encontrava.
Mas por que, sendo já noite, havia toda aquela claridade? Tentou ver a lua, e a fachada de um casarão não permitia. Andou mais alguns passos, nesse momento não mais carregava a mala; aperreou-se tentando lembrar. Tinha a impressão de pessoas nas ruas, porém não as via. Agora escutava uma música longe, muito longe, que vez por outra o vento trazia mais forte. Apurou melhor o ouvido, a música parecia se aproximar por uma das ruas laterais. Foi no rumo de lá, passadas largas… em vão, divisou a esquina e não avistou nada.
O mercado com todas as portas fechadas lhe dizia ser muito tarde. A alegria tomou conta de seu rosto, passava em frente à casa de Francelino e o viu sentado na velha cadeira ao pé da porta; duvidou da vista, pois não enxergou D. Lurdes ao lado, como sempre ficavam desde que os conheceu. Afastou-se rápido, não devia ser ele, pois sua mãe lhe escrevera uma carta relatando a morte do casal. Poderia ser seu filho morando na mesma casa; mesmo assim recuou, não saberia o que falar. Ao chegar à esquina olhou de relance, e ele não mais estava.
Parou, tentando recordar-se de tudo. Vinha-lhe desordenadamente uns pedaços de lembrança, misturados; e o pior: de épocas diferentes. Ao mesmo tempo em que aparecia o dia de sua partida, o choro da mãe (que nunca haveria de ver novamente), o rosto triste dos irmãos, o silêncio do pai… vinham lembranças recentes, da cama dura do hospital, da visita dos velhos amigos, chorosos a se despedirem sempre… A memória - de repente - pulava até o desembarque do trem… aquela estranha luz que lhe ofuscava a vista quando tentava olhar para longe.
Completou a volta pela cidade, o capim tomando conta de tudo. Procurava a mercearia do avô, e não a encontrava; tudo parecia tão diferente… abandonado.
Nunca imaginou que voltaria - quase se conformava com sua impossibilidade, devido à doença e a distância. Há tempos não andava… os médicos não diziam nada, calados como se não escutassem seus pedidos, suas súplicas para ir ver a família. Agora ele estava ali, não sentindo dor nem frio, as pernas firmes davam passadas largas, a viagem não esperada… devia ter melhorado, recebido alta e planejado tudo… feito a mala; e onde, meu Deus, teria deixado a mala? A memória o traía, dava saltos… só recordava ter avistado a torre da igreja pela janela do trem, as primeiras casas, os coqueiros da beira do rio; de repente já a estação e a rua deserta, a mala na mão... Lembrou-se novamente da estação, deveria mesmo ter ficado por lá, em cima de qualquer banco da plataforma... Mas como, se ainda há pouco ela estava em suas mãos? Foi retornando, precisava encontrar a mala, talvez dentro dela houvesse algo que lhe despertasse a memória… E a mercearia do avô, que era bem ali, jurava, não poderia ter esquecido.
Aproximou-se da estação, o capim cobrindo tudo, uma escuridão danada, o prédio abandonado, portas quebradas… nem mais os trilhos estavam no lugar, apenas alguns dormentes espalhados no meio do mato… e a certeza agora de que escuta um badalar de sinos, longe, bem longe.
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