
Escreveu livros de literatura fantástica e de contos, como
Escreveu livros de literatura fantástica e de contos, como
"Ao amigo Jr Ferrim"
Como sempre mudei muito de residência, sempre tive bastantes vizinhos... diria que de todos os tipos e feitios, dos que nunca avistava e apenas sabia de suas existências pelo bater de portas e abrir de garagens (alguns desconfiava que fossem mudos) àqueles barulhentos, festivos de fins de semana e alguns de semanas inteiras.
Fosse contar a história completa de minha vizinhança - em todos os meus endereços de Fortaleza, Recife e Tamboril - levaria muito tempo e seria por demais trabalhoso. Fico nos fragmentos e devaneios da memória.
Nos sete prédios onde morei, multiplicaram-se os vizinhos de contatos superficiais, de rápidos cumprimentos, de bons dias, boas tardes e boas noites ligeiros, de reuniões de condomínios (nem sempre pacíficas), de constrangedores silêncios de elevadores, de quase esquecimento posterior. As exceções, como dizemos no senso (e lugar) comum, confirmam as regras: fiz boas amizades de apartamento, daquelas de ligações pelo interfone para o cafezinho da tarde, uma cervejinha na varanda olhando a lua, até de convite para batizado e aniversário de criança.
Nas muitas casas e em maiores tempos de morada, restaram muitos amigos de longos papos, algumas intrigas e até namoros rápidos; jogos de futebol em estádios e bares barulhentos sempre ficam mais práticos nas caronas coletivas. Alguns vizinhos até hoje nos emocionam nos raros encontros, de relembrar episódios já perdidos na memória e alinhavar promessas de novos encontros (quase sempre logo esquecidos, atropelados pelos afazeres e distâncias).
Dos vizinhos inesquecíveis dos tempos de moradias estudantis e pensionatos aos atuais pacatos velhinhos, vez por outra um(a) surge na memória: aquele bendito beberão que não saia dos bares a semana inteira, mas que aos sábados e domingo bem cedo botava sua melhor roupa e saia cabisbaixo para a igreja; outro que brigava quase todos os dias com a esposa, porém que sempre os avistávamos de mãos dadas e sorrisos tímidos, como se nunca tivessem levantado a voz um para o outro; jamais esqueci uma senhorinha que sabia da vida particular de todos os moradores do bairro (do que faziam e o que comiam, até o que pensavam), menos de que o velho marido tinha um caso escabroso com uma solteirona da rua de trás... quando souberam, não respeitaram a discrição de velha bisbilhoteira: rasgaram fofocas, risos e até piadas à sua porta: foi uma vingança coletiva contra a fofoqueira oficial do bairro.
Hoje curto, depois de 20 anos fixo no atual endereço, uma vizinhança tranquila: com a velhinha de quase 90 anos da casa à direita estabeleci uma convivência pacífica, hoje até agradável, muito embora quando chegamos ela tenha estabelecido os limites, foi taxativa que detestava barulho, plantas e bichos (depois percebemos que pessoas também), hoje recebemos encomendas dos correios um do outro mas vez por outra ela ainda corta um galho fujão do nosso limoeiro e o joga (silenciosa e respeitosamente) para o nosso lado; dos fundo, um pacato casalzinho, hoje cuidados por um filho solteirão, nunca quiseram muita conversa: nos poucos contatos de já duas décadas veio uma singela visita vespertina, um bater tímido no portão e uma reclamação sem ênfase de que as folhas de nossa goiabeira estavam sujando seu pátio (a promessa de que iria cortar o galho atrevido e a ajuda ao leva-lo até a esquina com passos miudinhos); da esquerda vinha a alegria da vizinhança, casa repleta de irmão, visitas e cumprimentos frequentes, porém veio um vendaval e os levou todos: os velhos morreram, os filhos se espalharam pelo mundo, os dois restantes foram por fim varridos pelas doenças e solidões... restou uma casa desmoronada que a vegetação cobriu quase que por completo (deste lado hoje sombrio nada restou, a não ser uma que outro soluço, um bater de portas em noites de vento).
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