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Dino e os livros censurados: qual o limite da liberdade de expressão?
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Plínio Bortolotti integra do Conselho Editorial do O POVO e participa de sua equipe de editorialistas. Mantém esta coluna, é comentarista e debatedor na rádio O POVO/CBN. Também coordenada curso Novos Talentos, de treinamento em Jornalismo. Foi ombudsman do jornal por três mandatos (2005/2007). Pós-graduado (especialização) em Teoria da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

Dino e os livros censurados: qual o limite da liberdade de expressão?

Defender a circulação de livros com trechos homofóbicos não significa concordar com seu conteúdo, pelo contrário, é preciso combatê-lo, mas não censurar

Segundo consta nas folhas noticiosas, o ministro do Supremo Tribunal Federal STF), Flávio Dino, atendeu pedido do Ministério Público Federal (MPF) e determinou a retirada de circulação e a destruição de quatro livros jurídicos, por conterem frases homofóbicas e discriminatórias às pessoas LGBTQIA+.

Alguns trechos são realmente extremamente ofensivos às mulheres; fazem alusão à “maléfica causa gay”, ao “universo maléfico da podridão humana”, considera legítimo que funcionários “afeminados”, sejam demitidos. Outros extratos afirmam que a Aids “somente existe pela prática doentia do "homossexualismo (sic)" e do "bissexualismo".

É claro que as expressões contidas nesses livros são desprezíveis e odiosas. Discordo radicalmente dessas palavras preconceituosas e de seus conceitos ultrapassados, misóginos, homofóbicos e machistas. Mas sou contra eliminar qualquer palavra ou frase que fujam de um conceito exacerbado do “politicamente correto”. O mundo não é limpinho e cheiroso, e as pessoas têm de aprender a conviver nele.

Defender a circulação desses livros não significa concordar com seu conteúdo, pelo contrário, é preciso combatê-lo, mas não o censurar. Estou ao lado, se me permitem, dos setores minorizados da população brasileira, mas como argumenta o filósofo belga Raoul Vaneigen*, “autorizem todas as opiniões, nós saberemos reconhecer as nossas”.

Meu conceito de liberdade de expressão baseia-se no critério do “perigo iminente”. Isto é, quando uma fala ou um texto levam risco à integridade física ou à vida de alguém. O exemplo mais citado nesses casos é que você não pode gritar falsamente “fogo” em um teatro lotado para exibir sua liberdade de expressão, pois isso causaria ferimentos e até mortes, devido ao atropelo que se seguiria. Como defende Vaneigem, “não são as afirmações que devem ser condenadas, são as vias de fato”.

(Observando que o teatro lotado hoje, a meu ver, são as redes sociais, que devem ser submetidas ao mesmo tratamento de um local físico, ou de qualquer outro meio de difusão, pois é imenso o seu poder de mobilização, podendo levar às “vias de fato” uma ameaça nela divulgada.)

No entanto, o “discurso de ódio” contido nos livros proibidos não puseram em risco a vida de ninguém, até hoje. As “obras” estavam em sono profundo nas prateleiras da Universidade Estadual de Londrina (UEL-PR), desde 2008/2009, quando foram publicados. Em 2013, um grupo de estudantes descobriu os trechos homofóbicos, quando o MPF entrou com o processo. A decisão do ministro Dino deu aos livros a relevância e a publicidade que eles nunca tiveram. (A UEL retirou os livros de sua biblioteca em 2013.)

O magistrado escreveu que os autores “desbordam do exercício legítimo dos direitos à liberdade de expressão e de livre manifestação do pensamento, configurando tratamento degradante, capaz de abalar a honra e a imagem de grupos minoritários e de mulheres na sociedade, de modo a impor necessária responsabilização”.

Mas observem como a proteção demasiada de alguma minoria pode levar o garrote a outras.

Segundo reportagem da plataforma de notícias francesa, rFI, o Parlamento alemão adotou uma resolução “com o objetivo de intensificar a luta contra o antissemitismo”. O propósito da medida é “proteger, preservar e fortalecer a vida judaica na Alemanha”.

No entanto, a entidade de direitos humanos Anistia Internacional entende que a decisão “abre caminho para abusos, criminaliza críticas legítimas à política do governo israelense e serve à narrativa racista do antissemitismo importado”.

Críticos à lei temem que algumas das disposições do texto, possam restringir a liberdade acadêmica e cultural e adotar uma “retórica que divide”. Ficaram contra o texto inclusive artistas e intelectuais judeus que vivem na Alemanha. Em artigo, juristas e personalidades do mundo acadêmico, associativo e cultural pediram que se “proteja a vida judaica (na Alemanha) sem colocar as minorias umas contra as outras”.

Voltando ao Brasil, os possíveis ofendidos, por certo, têm garantido o direito de recorrer à Justiça. Mas a censura é o pior remédio, pois se conhece como começa e também como termina: em um festival de arbitrariedades. Esse caminho é o da fogueira inquisitorial, ao estilo Fahrenheit 451, essa sim perigosa.

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*“Nada é sagrado, tudo pode ser dito — Reflexões sobre a liberdade de expressão”, Raoul Vaneigem (Parábola Editorial, 2004)


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