O americano Ralph Nader, histórico defensor dos direitos do consumidor, analisou o funcionamento das operadoras de planos de saúde nos Estados Unidos. O texto, com o título “A ‘violência silenciosa’ da ganância e do poder corporativo”, foi reproduzido no portal Outras Palavras, publicado originalmente em inglês no Counterpunch.
Nader escreve que “há décadas” grupos de consumidores fazem alertas sobre a “violência silenciosa”, que produz inúmeras vítimas devido ao “poder desenfreado da ganância, negligência criminosa ou indiferença” das corporações de saúde.
Segundo ele, cerca de dois mil americanos perdem a vida, por semana, pois não podem pagar um seguro de saúde. Além disso, padrões de negação de benefícios das seguradoras também causam mortes e ferimentos. “As empresas têm algoritmos que automaticamente atrasam ou negam procedimentos necessários, sem nem mesmo ver os registros médicos de um paciente”.
“As apólices de seguro são cheias de franquias em letras miúdas, copagamentos, isenções e exclusões, que deixam os consumidores e seus médicos loucos”, escreve Nader.
Essa situação leva ao desespero pessoas que precisam de tratamento, negados pelas seguradoras de forma impessoal.
“Em Nova York, um homem levou sua raiva pessoal ao extremo”, matando a tiros Brian Thompson, CEO (diretor-executivo) da gigante seguradora UnitedHealthcare, concluiu Nader.
Redes sociais
Nos dias que se seguiram à acusação contra Luigi Mangione, pelo assassinato de Thompson, uma campanha online para arrecadar fundos para defesa dele já somava mais de 70 mil dólares. Nas redes sociais, segundo a agência de notícias Reuters, foram deixadas mensagens de apoio e “até mesmo de comemoração pelo crime”.
Um dos doadores escreveu: “Negar cobertura de saúde às pessoas é assassinato, mas ninguém é acusado desse crime”, classificando o atentado de Mangione como “homicídio justificável”.
A Reuters anota que esse comportamento reflete “profunda frustração compartilhada por muitos norte-americanos em relação ao sistema de saúde dos EUA”, e ainda uma “raiva mais ampla em relação ao aumento da desigualdade de renda e à alta dos salários dos executivos”.
Em artigo publicado no jornal The New York Times, Andrew Witty, presidente da UnitedHealth, reconheceu que o sistema de saúde é falho, e disse entender as frustrações do público com as seguradoras, lamentando o assassinato do colega.
Uma das “frustrações” se revela na acusação de “ganância” das empresas de saúde, que desprezariam vidas em favor do lucro. Mas, “por trás desses números”, escreve Nader, “estão pessoas reais, com famílias, amigos e colegas de trabalho, chocados, indignados ou desolados com perdas de vidas evitáveis e danos preveníveis”.
Estados Unidos, o país mais rico do mundo, não tem cobertura de saúde pública e universal para seus cidadãos. Não existe um “SUS” americano, sendo comum famílias irem à falência por dívidas decorrentes de doenças e hospitalizações.
Nada justifica o assassinato brutal do executivo, como forma de protesto. No entanto, se o presidente de uma das maiores companhias de saúde dos Estados Unidos reconhece que o sistema é “falho”, o indicativo é que passou da hora de corrigir uma estrutura que deixa ao desamparo milhares de pessoas.