Raymundo Netto é jornalista, escritor, pesquisador e produtor cultural, autor de obras premiadas, em diversos gêneros ficcionais ou não. É gerente editorial e gestor de projetos da Fundação Demócrito Rocha.
Raymundo Netto é jornalista, escritor, pesquisador e produtor cultural, autor de obras premiadas, em diversos gêneros ficcionais ou não. É gerente editorial e gestor de projetos da Fundação Demócrito Rocha.
Após horas de entrevista com jovens estudantes, chegamos com algum atraso ao antigo Centro de Convenções, sede da Bienal Internacional do Livro. Passamos rapidamente pelo auditório montado para recebê-lo. Como imaginávamos, estava lotado: eram crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos ansiosos em ver de perto o Ziraldo, realmente um ídolo de diversas gerações.
Preparava-me para subir ao palco e chamá-lo quando deu-se um embaraço devastador: Ziraldo estava agoniado com uma cutícula de unha: "Eu não vou conseguir falar se eu não tirar isso!" Liguei para a produção: "Pelamordedeus arranjem logo um alicate de unha para esse homem!" Dirigimo-nos à Sala VIP e ali ficamos até ele resolver esse gigantesco imbróglio...
O tema que escolhi para a sua palestra, claro, não poderia ser diferente: "Ler é mais importante do que estudar!" Ziraldo chegou ao palco ao som de palmas entusiasmadas e afetuosas. Muitos ali o tinham bem de perto, da cabeceira, na voz materna, em momentos de divertidas solidões. Descumprindo qualquer protocolo, falou abertamente com a naturalidade encantatória dos loucos. Distribuía sem pudor as suas impressões do mundo, a sua visão sobre a educação, sobre a leitura e as suas pequenas fascinações.
Ao final, uma fila interminável de pessoas trazia seus livros para autografar. Ele atendeu a todos. Daí, mesmo enquanto autografava, cochichava comigo. Precisava que eu conseguisse algum lugar com telão para ele assistir a um jogo do Flamengo que aconteceria naquela noite: "Tenho que terminar antes do jogo. Você gosta de futebol? assiste comigo?"
Na verdade, não mesmo. Contudo poderia recorrer novamente ao Mino. Liguei para ele, pedi esse favor, e ele aceitou. Disse-me que aguardaria por nós dois no restaurante Dallas, onde poderiam encontrar o tal telão. Como o Mino não dirige, deixaria um motorista para ambos. Resolvido isso, Ziraldo ainda me falou que soube que estávamos distribuindo R$ 5,00 para que os estudantes comprassem livros na Bienal, a tal "Notinha Legal": "É um desserviço. Livro com esse valor não presta!" Por coincidência (ou não), uma garota estava com um livro dele na mão e eu perguntei quanto custou. Respondeu toda sorrisos: "Só R$ 5,00. Está em promoção." Ele baixou a cabeça, desenhou o autógrafo e resmungou: "Por isso é que eu não ganho mais dinheiro. Só R$ 5,00..."
De repente, um homem surgiu por trás da fila e acenou-lhe com um livro do cartunista na mão: "Ziraldo, você gostou da edição? Está bonita, né?" Ziraldo mirou apertando os olhos: "Está... Mas eu não estou lembrado de a gente ter acertado esse não, viu? Vamos ter que conversar..."
A fila parecia não ter fim e ele começou a se aperrear: "E o jogo? Vou perder o jogo?" Sugeri: "Resume o autógrafo. Não desenha." "É mesmo, né?", disse. Porém, logo depois, chegou uma mocinha. Perguntou o nome dela: "Marília". Ele desenhou ondas do mar, um barco, um sol... É, não adiantava, ele amava tudo aquilo. Dava gosto de ver a alegria daquelas pessoas abraçando-o, pedindo-me para tirar fotos com ele, mães trazendo filhos que, como ela, descobriram o Ziraldo ainda na infância. A sua presença, nunca tive dúvidas, seria para esse povo cearense um presente impagável.
À noite, conforme acordado, o deixei no Dallas com o Mino e, antes de eu voltar para casa, perguntou se eu poderia ir com ele na manhã do dia seguinte à Revistas & Cia, do Silvyo Amarante, pois estava curioso em conhecer o espaço e queria fazer umas comprinhas... Lembrou-me: "Eu não fico sozinho, Raymundo!"
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