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História de Não se Dar Passo
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Raymundo Netto é jornalista, escritor, pesquisador e produtor cultural, autor de obras premiadas, em diversos gêneros ficcionais ou não. É gerente editorial e gestor de projetos da Fundação Demócrito Rocha.

História de Não se Dar Passo

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Tipo Crônica

Moral da História: a vida é o exercício do perder!

Essa fábula ao inverso, nada mais é do que a minha tese de pós-torturado da faculdade da vida, na qual nem pedi a inscrição, mas onde tenho cadeiras obrigatórias desde o primeiro tapa, e onde jurei: até a morte hei de viver!

Pois sim, que não acreditem em mim, mas é mesmo a vida tão querida, entre as tantas coisas que desaprendi, um exercício de perdas! Desde a nascença, nada nos é tão certo quanto a perda, cosida, pontilhadamente, até de um dia perder a própria vida. Vai-se infância, saúde, amores, amigos, cabelos e, dolorosamente, os dentes. Tudo se vai e, acreditem pelamordedeus, rapidamente num cadinho.

Nesses meus quase sessenta anos, já perdi tanta coisa, deixei tanto para trás, nem vale a pena o sofrer por isso. Ciente da prática de perdas, tenho desapegado franciscanamente, exercitado ao máximo, a ponto de, às vezes, ficar me rindo da ausência do peso das tantas coisas que não tenho. Sempre disse: Posso perder tudo, menos as pessoas. E as tenho perdido mesmo assim, aqui e ali, sem jeito.

Por que é charmoso e chama a atenção, vez ou outra grito a todo pulmão: "Desisto!", mas continuo insistindo nas mesmas burradas a perguntar-me por que as coisas não me hão de nunca dar certo.

Chego a ter dó de mim, um dó em si tão grande de fazer choro, não fora eu um nordestino, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e nascido embaixo de fogos de São Pedro. É quando me lembro da passagem literária, essa de Queiroz, d'"Os Maias", em seu último capítulo, quando Carlos e o João da Ega, em uma conversa descontraída de meio da rua, conceituam os românticos de "indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento e não pela razão..." e resumem: "não vale a pena viver!" Explicam inda mais: "Não valia a pena dar um passo para alcançar coisa alguma na Terra, porque tudo se resolve, como já ensinara o sábio do Eclesiastes, em desilusão e poeira". Aconselham: "Não saia deste passinho lento, prudente, correto, seguro, que é o único que se deve ter na vida".

Os dois fanfarrões estavam convictos da descoberta da fórmula do mais seguro viver: "não fazer um esforço, nem correr com ânsia para coisa alguma... Nem para o amor, nem para a glória, nem para o dinheiro, nem para o poder..."

Foi quando avistaram, ao longe, uma carruagem. Atrasados que estavam, entreolharam-se e "os dois amigos romperam a CORRER desesperadamente pela rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia".

Foto do Raymundo Netto

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