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O Velório que não deu certo
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Raymundo Netto é jornalista, escritor, pesquisador e produtor cultural, autor de obras premiadas, em diversos gêneros ficcionais ou não. É gerente editorial e gestor de projetos da Fundação Demócrito Rocha.

O Velório que não deu certo

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Do caixão, levantou-se num repente.

O olhar arregalado desmentia a aparente prostração. Amigos de logo correram longe, saltaram as janelas, engasgaram-se com biscoitos, quebraram xícaras, cobriram-lhe o chão adormecidos.

Sentada, gritava coisa com coisa de um não partir agora. Há de tanto a fazer ainda... E o que será dos filhos?

O genro lançou de violência o paletó no chão. "Diabo!", negava crer no retorno da maldita: "Estraga prazeres, já eu não dizia de tempos?"

A filha-prima deitou o choro. Cria hora de seu (do dela) merecido descanso.

Há tanto cuidava da mãe, de não ter paz: horas do remédio, das visitas ao médico, de banhos demorados com esponjas, de compressas quentes dias e noites, dos passeios na calçada depois do jantar... Renúncia de quanto de cara vida há de somente a morte libertar. Cria. Engano... nem esta!

Encolerizou o filho, a mãe ser de sempre contra ele. E fazer agora o quê com os planos de vender a casa da mãe? Abriria negócio, arranjaria-se na vida. Agora? De que fazer com os planos? "Egoísta!"

A empregada velha, malas prontas de partir na soleira da casa, na apatia da convivência, deu-lhes volta ao quartinho conjugado à cozinha:

"Fazer a sopa de d. Mariinha."

A pobre defunta, não tanto, ainda a tonto, dizia não querer-se ir. Ainda não!

Os convidados também protestaram, argumentaram, insistiam: sempre fora tinhosa, danada. Será só de pensar no dela? O seu marido, que Deus o tivesse ou não, de já o sabia, coitado, e foi-se logo, não bestava.

Botava uma perninha de fora do caixão... trouxeram-na de volta:

"Tem certeza disso, mãe? Era-se assim mesmo? Olhasse..."

Suspirosa, pedia uma chance. Ah, davam não...

Rumo do sem jeito, ela deitou-se de lento, cruzou os medos das palmas de mãos sobre o peito e morreu de novo, enquanto ouvia, entre últimos ouvidos, os soluços lastimosos de família:

- Ai, minha mãezinha... Saudade... É, mas descansou!

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