Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha
Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha
.
Fiz um exercício tremendo para tentar entender a opção do senador Eduardo Girão em convidar uma contadora de histórias para representar um aborto, do ponto de vista de um feto, na última segunda-feira no plenário do Senado. Concluí que é muito mais difícil para a artista em questão representar o estupro de uma menina seguido de uma gravidez de risco. Uma menina preta e pobre, ingredientes do perfil que compõem a maior parte das pessoas que sofrem abuso sexual no Brasil.
Na arte, é necessário compreender a ação de uma forma mais alargada posicionando-a no tempo e no espaço. Não importa que a cena seja longa ou curta. O espectador precisa ser envolvido, entendendo o contexto a partir da cena. Se bem feita, o espectador será capaz de preencher as lacunas do que não foi exposto. A capacidade artística da contadora de histórias talvez esteja aquém para dar conta da violência sexual do cenário cotidiano da qual é vítima meninas e mulheres.
Outra opção muito válida por parte do senador seria mostrar à sua bancada e aos seus eleitores conservadores o contexto brasileiro de 1940, quando surgiu a lei que dá garantias de um aborto legal a uma mulher nos casos de violência sexual, risco de vida, ou enencefalia fetal.
O Brasil de 1940 estava mergulhado na ditadura Vargas, na fase mais autoritária do regime, após o golpe de 1937. A população brasileira tinha 41,3 milhões de habitantes à época, as mulheres eram uma minoria no mercado de trabalho e, pelas leis vigentes, precisavam da autorização do marido para exercer qualquer função fora de casa. O mundo estava em guerra, com Hitler acossando a Europa. Havia uma polarização imensa para muito além de esquerda e direita. A eugenia, por exemplo, fazia parte da ideologia da época e havia partidários dela no Brasil e no Ceará.
Foi este o cenário político e social brasileiro no qual entrou em vigor a lei que dá garantias às mulheres vítimas de violência e as protege em caso de risco de morte ou má formação fetal. Ou seja, os componentes ideológicos que reinavam num país em regime de ditadura não embotaram a razão e a sensibilidade dos legisladores da época.
O que temos hoje? Uma democracia com eleições diretas, um Congresso votado pelo povo onde reinam razão capenga e sensibilidade nenhuma. A pauta ideológica dos congressistas, que desejam impor uma polícia dos costumes, vai na contramão de qualquer razoabilidade. Não é verdadeira a luta desses homens e mulheres identificados com uma aleivosia ideológica que coloca a vida como bandeira.
Qual a legítima preocupação desses homens e mulheres com a vida real das vítimas de violência? Qual a contribuição concreta que chega às crianças que estão em situação de vulnerabilidade no País. Como esses homens e mulheres trabalham contra as desigualdades que ainda imperam no Brasil?
Por último, o senador Girão ainda teria como opção para o show artístico, que pretendeu oferecer aos senadores, copiar Eduardo Coutinho – no seu “Jogo de Cena” – e convidar meninas e mulheres vítimas de violência sexual e dar-lhes voz. A verdadeira arte é aquela que toca o humano num instante sublime, porque é feita de humanidade.
Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.