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Anjos fazem festa pelo Camões de Adélia Prado
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Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha

Anjos fazem festa pelo Camões de Adélia Prado

A fé que a poeta mineira tem na poesia é capaz de criar um mundo particular e também singular, leitores como eu, mesmo sem entender muitas vezes o poema inteiro, se apegam às palavras banais e ficam à espera que o anjo adelino as traduza.
Tipo Notícia
Poetisa Adélia Prado faz 88 anos e se prepara para lançar livro (Foto: )
Foto: Poetisa Adélia Prado faz 88 anos e se prepara para lançar livro

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A data exata já se perdeu no tempo, mas naquele ano o Encontro Nacional dos Estudantes de Comunicação (Enecom) aconteceu em Fortaleza e dois convidados ficaram gravados na minha mente. Um deles foi Marcelo Rubens de Paiva, autor de “Feliz Ano Velho". A outra, Adélia Prado. Acompanhei a palestra da poeta mineira sentada no chão, próxima à mesa onde Adélia falaria. O que ela disse não tenho a menor ideia, mas conhecer aquela mulher ficou marcado na minha vida.

Disse a mim mesma que deixaria meu cabelo natural como o de Adélia. Achei simplesmente linda aquela mulher que tinha por volta dos 50 anos à época. Passei a ler tudo o que podia sobre ela e, como naquele tempo não havia Google, a tarefa era pesada. Ia às bibliotecas atrás dos livros publicados que não eram tantos ainda. “Bagagem” recebeu a bênção de Carlos Drummond de Andrade.

O autor de “A Rosa do Povo” recepcionou a contemporânea de Divinópolis no lançamento do primeiro livro publicado em 1976. Em 78, a poeta mineira ganhou o prêmio Jabuti com “O coração disparado”. De lá para cá, a poeta de Divinópolis se consagrou como uma das mais importantes poetas brasileiras, o que não é pouca coisa nesse país que parece esquecer rápido seus escultores de palavras.

Em 2006, a Flip recebeu Adélia Prado, por acaso. O escritor argentino, Ricardo Piglia, autor de “O Último Leitor”, “Respiração artificial”, entre outros, teve uma complicação de saúde, não pode viajar à Paraty e Adélia foi ao Rio naquele domingo, último dia da festa.

Chorei quase todo o tempo que durou a palestra da escritora. Aliás, não apenas eu. Muita gente chorou naquela manhã de domingo chuvoso e frio de Paraty. Ouvir a Adélia Prado falar de poesia é algo muito próximo do sublime. Ou é a própria experiência do sublime. Depois de conhecê-la no Enecom, tornar-me jornalista e leitora de Adélia, confesso que muitas vezes não consegui entender o que parecia ser os anjos lhe soprando versos.

Naquele dia, porém, é como se alguma coisa se descortinasse entre a palavra poética e a expressão da poesia que se deslocava na voz da escritora. Adélia considera a poesia um campo sagrado. Uma espécie adoração se faz na composição dos versos que se transformam em poemas. Palavras cheias da graça que dobram o humano.

Quando Adélia Prado lançou “Miserere”, o crítico Alcir Pécora, que afirma não ler nenhum autor contemporâneo, escreveu que a forma poética de Adélia renova “o ultrapassado” e joga uma nova luz mesmo sobre temas que largam espaços vulgares no qual repousam por séculos sem fim. A morte é uma delas. A vida que se estreita nos compromissos e exigências cotidianos da sobrevivência é outra.

Adélia vai receber o prêmio Camões. E a poesia brasileira deveria estar em festa. Passado o dia do anúncio, parece que tudo volta a ser como antes. Mas isso não acontece, por mais que nos esforcemos para tornar a poesia algo dispensável. A fé que a poeta mineira tem na poesia é capaz de criar um mundo particular e também singular, leitores como eu, mesmo sem entender muitas vezes o poema inteiro, se apegam às palavras banais e ficam à espera que o anjo adelino as traduza.

 

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