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O visível e o invisível entre Ramagem e Bolsonaro
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Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha

O visível e o invisível entre Ramagem e Bolsonaro

Bolsonaro sempre nega ou minimiza qualquer uma das suas más ações. A responsabilidade é sempre dos outros. Nunca assumiu nem assumirá qualquer ordem, conivência ou cumplicidade com práticas que demonstram desprezo pelo cuidado institucional do cargo que ocupou.
Tipo Análise
Ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem (Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados)
Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados Ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem

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Se Roy David Frankel, poeta carioca, transformou a sessão da Câmara que afastou a ex-presidente Dilma Rousseff do poder, no poema “Sessão” (Ed. LunaParque, 2017), as 47 páginas que resultaram do áudio transcrito da reunião entre o ex-presidente Jair Bolsonaro, o então chefe da Abin, Alexandre Ramalho, duas advogadas e o ex- ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, podem muito bem se transformar num romance.

O encontro, em agosto de 2020, tinha como pauta proteger o senador Flávio Bolsonaro, filho do ex-presidente, envolvido em denúncias de prática de “rachadinha”, enquanto cumpria mandato de deputado estadual pelo do Rio de Janeiro. Ler os diálogos do encontro, em si, já é uma experiência à parte. Não tem o impacto dos diálogos do “Rei da Vela”, claro, mas a realidade é sempre mais complexa do que a arte.

Os trechos, as interrupções, as lacunas das palavras inaudíveis, as interpretações, os nomes citados que estavam ausentes, o que eles pensam sobre as denúncias contra o então acusado colocando-as na categoria de perseguição política diz muita coisa sobre o caráter das autoridades públicas envolvidas naquela reunião.
A contribuição de cada um dos personagens envolvidos na história já soa como arranjo ficcional estimulando o leitor a encontrar o enredo da trama. O exercício de sair do texto para seus arredores, deixa a história ainda mais interessante. Vamos lembrar que em agosto de 2020, estávamos no auge da pandemia do coronavírus, vivendo isolamento social e a vacina ainda era uma miragem para nós brasileiros.

Em 24 de agosto, já tinham morrido 115.451 pessoas de covid-19 e suas complicações, enquanto 3,6 milhões haviam sido infectadas. O ex-presidente estava empenhado com a cloroquina, atacando o isolamento social e o Ministério da Saúde estava no terceiro ministro em dois anos de governo Bolsonaro.

O Palácio do Planalto naquele 20 de agosto parecia muito com o castelo do conto de Edgar Alan Poe, “A máscara da morte rubra”. Estavam ali discutindo quem falaria com quem para obter informações mais seguras a respeito de um processo, de forma que não levantasse desconfiança nos gestores procurados e quem poderia ser mais útil na empreitada ou não. Os complementos de agora dão à trama um algo a mais.

Preocupado com gravações – por que um presidente republicano se preocuparia com isso? – agora as notícias dão conta que Bolsonaro sempre soube que a reunião seria gravada. O próprio Ramagem veio explicar isso em público. O bolsonarismo acha que está tudo bem reunir autoridades para discutir questões que não eram ou não deveriam ser da preocupação institucional do presidente da República.

Se Jair Bolsonaro queria que a justiça cuidasse de tudo, e se era um assunto particular envolvendo um membro da família, por que o então presidente chamou autoridades graduadas para se reunirem com as advogadas do filho no Palácio oficial do Governo?

Bolsonaro sempre nega ou minimiza qualquer uma das suas más ações. A responsabilidade é sempre dos outros. Nunca assumiu nem assumirá qualquer ordem, conivência ou cumplicidade com práticas que demonstram desprezo pelo cuidado institucional do cargo que ocupou.

 

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