Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha
Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha
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Quando eu era adolescente, minha família foi vizinha, por um tempo, do escultor piauiense, Seu Cornélio. Minha mãe e a dona Rosário, mulher dele, ficaram muito amigas e nos visitávamos, com uma frequência moderada, como dizia mamãe. Eu adorava. Além dos "bulins", do bolo de goma e do cuscuz de arroz que eram servidos nessas visitas animadas, havia, principalmente, o imenso ateliê do Seu Cornélio, para onde eu amava ir. Por lá, sempre havia coisas começadas que eu não conseguia saber o que eram, carrancas quase finalizadas e peças que ele entregaria em breve e estavam quase prontas.
Concentrado, ele nos via andando por lá, de um lado para o outro, tentando identificar desenhos nos pedaços de madeira ainda em construção, ou parando diante das carrancas com bocas gigantes e olhos esbugalhados que achávamos medonhas, com uma ponta de sorriso entre os lábios. Um dia, perguntei como ele fazia tudo aquilo. Ele largou a peça que tinha entre as mãos e me fez perceber vários objetos pendurados numa das paredes da sala ampla. Tudo começa aqui, e apontou para a cabeça. "Quando eu tenho a imagem, então pego o formão".
Seu Cornélio me explicou que o formão - de vários tamanhos, que ele usava de acordo com a dimensão da peça - é que dava à obra o formato geral que ela deveria ter. Uma espécie de esboço e servia para as figuras, para as abstrações dos murais de madeiras ou para cabeceiras das camas de gente rica, que lhe encomendava desenhos exclusivos. Depois, vinha a goiva. Esta era a responsável pelos detalhes mais sutis das peças: os olhos, por exemplo, as mãos, as dobraduras das roupas, os fios de cabelos, os arabescos e as reentrâncias das abstrações nos metros de madeira entalhada. Havia uma infinidade de goivas presas na parede do ateliê e cada uma era servia para tipos específicos de acabamento.
Pensei muito nessa experiência nos últimos dias, enquanto tratava dos últimos detalhes do meu desligamento formal d´O POVO. Após pouco mais de três décadas, deixo de forma voluntária, e recebida de forma respeitosa, o rol de colaboradores da empresa que foi meu formão e minha goiva. O que sou hoje, o que aprendi, o que fui estimulada a aprender, boa parte dos amigos que tenho, devo tudo a´O POVO. Aqui, fiz jornal impresso, livros, conteúdo digital e tive algumas outras experiências profissionais que aperfeiçoaram em mim o manejo da observação da realidade e o gosto pela interlocução.
Sou e serei grata sempre por todas as coisas que vivi nesta empresa. E não falo de perfeição. Trato de humanidade. A legítima humanidade que é capaz de lidar com o contraditório, ao mesmo tempo que acolhe afetos e amizades leais. Foi esta minha experiência. Já tive oportunidade de agradecer a quase todos os que conviveram comigo nesse tempo. E aproveito para dizer que sou grata também a vocês, leitores, razão última do nosso trabalho como jornalistas profissionais. Sinto-me privilegiada pela trajetória construída ao lado de homens e mulheres que admiro e amo.
Continuarei na companhia de vocês, como articulista externa, conversando sobre diversos temas. Um forte abraço. Obrigada a todos vocês!
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