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Aos cronistas que ensinam a amar Fortaleza
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Sou jornalista de formação. Tenho o privilégio de ter uma vida marcada pela leitura e pela escrita. Foi a única coisa que eu fiz na vida até o momento. Claro, além de criar meus três filhos. Trabalhei como repórter, editora de algumas áreas do O POVO, editei livros de literatura, fiz um mestrado em Literatura na Universidade Federal do Ceará (UFC). Sigo aprendendo sempre. É o que importa pra mim

Aos cronistas que ensinam a amar Fortaleza

Além dos livros infantis que povoaram minha infância, devo às crônicas reunidas encontradas em livros na biblioteca da escola meu gosto pela leitura. Mais tarde, a coleção "Crônicas para Gostar de Ler" consolidou o trabalho de quando era criança. Com o tempo e um pouco de maturidade leitora é que prestei atenção no cenário de tanta crônica que li na vida e percebi que a cidade era o palco e, muitas vezes, a principal personagem do texto. A Itabira e o Rio de Janeiro de Carlos Drummond de Andrade; a travessia da Baía da Guanabara e o Posto Seis, na praia carioca, em Rachel de Queiroz; as Minas Gerais e de novo, o Rio, em Paulo Mendes Campos.

Hoje, tenho para mim que a cidade aponta em nós o que somos e também o que pensamos sobre o mundo. Reparei em como repetimos nossos hábitos em qualquer cidade em que estejamos, como se quiséssemos lugares duplicados que queremos familiares e estranhos de uma só vez. Por exemplo, se temos o hábito de frequentar alguns espaços onde vivemos, é muito normal que os procuremos em outras cidades. E fazemos isso sem nem nos darmos conta.

Alguns cronistas me são caros, porque eles traduzem uma Fortaleza que, se por um lado, não conheci e não vivi, por outro, a conheço e hábito pelos instantes enquanto os leio. Outro dia, soube que o filósofo Walter Benjamin exercitou o costumbrismo ao escrever "Passagens".

Pois é este costumbrismo que me atrai nas crônicas, ou seja, aquele gesto muito subjetivo de captar paisagens, tipos urbanos, situações singulares e eventos banais, às vezes imperceptíveis para a maioria, realçando-os e os colocando na cena da cidade. O cronista Raimundo de Menezes, por exemplo, escreveu sobre Fortaleza durante a passagem dos lampiões a gás para a iluminação elétrica, o que levou muito fortalezense às ruas para tomar banho da luz que emanava das lâmpadas de mercúrio, competindo com a Lua de Fortaleza. Com ele, conheci uma Cidade rodeada pelo areal que circundava tudo que não era o Centro ligado a poucos bairros pelo bonde.

Devo muito ao "Fortaleza Voadora", do escritor Pedro Salgueiro a percepção caleidoscópica da "loira desposada pelo Sol" com seu sotaque abusado. Lendo as crônicas do Pedro, me dei conta do quanto Fortaleza adora uma sala vip, lugares exclusivos e reservados de um lado da moeda, enquanto do outro, extravasa na mistura de gente, no falatório alto, numa gargalhada dobrada, numa vaia que é só nossa, no deboche escancarado.

Impossível não pensar na Praia de Iracema da meninice da cronista Ana Miranda. A escritora, cuja marca é o romance histórico, escrevinhou Fortaleza - e o Ceará - de um modo particular, ilustrando personagens e recriando histórias guardadas na memória ao mesmo tempo em que costurava o reencontro com a cidade.

E por falar em "costumbrismo", gosto de lembrar os tempos de "espanto" da cronista Tércia Montenegro, ao relatar de forma bem humorada os eventos casuais dos dias que seguem pela Cidade. Um dos que me vêm à mente sem nenhum esforço é sobre um eclipse lunar passado com vizinhos que a escritora jamais havia visto na vida numa madrugada meio-fria-meio-quente no prédio onde mora.

Atualmente, sigo Fortaleza pelos olhos do cronista Demitri Túlio, que considero um costumbrista legítimo, daqueles que andam pela cidade observando a paisagem, perscrutando episódios que podem ser talhados em crônica, ouvindo o canto dos pássaros e as histórias de transeuntes conhecidos ou não.

A esses homens e mulheres devo o amor que guardo por Fortaleza. Aliás, li numa crônica do escritor Ignácio de Loyola Brandão que confessar o amor pela cidade é um dos sinais da pressão do tempo. Pode ser que, talvez, apenas ele - o tempo - nos faça perceber o quanto estamos ligados à cidade que amamos - e odiamos, às vezes - e, de alguma forma, aos seus cronistas.

Regina Ribeiro, jornalista, nasceu em Fortaleza. Na infância, morou por 10 anos em Teresina, entre os rios Poty e Parnaíba. Na adolescência, retorna a Fortaleza por Messejana. Lembra-se da praia do Futuro do Futuro e dos cinemas de rua dessa época. Gosta de pensar a cidade como um texto que é preciso reler continuamente para (re)descobrir a si mesma.

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