
Renato Abê é jornalista, escritor e especialista em jornalismo cultural com pós-graduação em artes cênicas
Renato Abê é jornalista, escritor e especialista em jornalismo cultural com pós-graduação em artes cênicas
Empolgada, a fã pede para segurar um dos troféus conquistados pela cantora Liniker no Prêmio Multishow 2024. A artista paulista recusa: "Acho que essa vitória é minha". A cena banal de apenas cinco segundos poderia ter sido só mais um momento de bastidor pós-evento, mas o trecho foi o suficiente para um embate de teses do TikTok ao Facebook.
A cantora é soberba? A fã é sem noção? O Prêmio Multishow é relevante? O público acha que o artista tem "corpo público"? Como marcadores identitários impactam na percepção do fã em relação ao ídolo? O País está "endeusando pessoas erradas"? Tudo e nada em debate a 80 quilômetros por hora.
Claro que o corriqueiro tem potencial para despertar mil interpretações - a arte está aí para provar que sim, afinal, "uma frase muda o fim do filme", como versa o rapper cearense Don L. Será, porém, que precisamos gastar mesmo toda essa energia e atribuir mil sentidos a recortes de segundos jogados na bola de neve sem freio que é a rede social?
O caso (já antigo, pois a pressa reina) da mulher que se recusou a ceder o assento para a criança está aí para provar que não. Teve quem se apressasse em tecer longas críticas à mãe por mimar o filho, apontando teorias da educação e tudo mais.
Por outro lado, teve a defesa da mãe, a discussão sobre o direito de imagem, o metadebate sobre o ato de debater e tem também eu aqui, que poderia estar abordando outro tema no artigo, mas a polêmica me fez pensar (como não?).
Mil facetas de uma mesma história que, sim, evoca pautas relevantes, mas, diante de tantas questões em simultâneo, a gente ainda lembra sobre qual assunto estamos falando?
Uma dubiedade desponta: não há como negar que estamos carentes de indagações para nos fazer refletir. Por outro lado, ninguém tem tempo para, de fato, pensar e elaborar sobre tais questões. Somos provocados a falar o mais rápido possível. Nesse frenesi, qualquer pensamento se esvazia.
O músico gaúcho Humberto Gessinger canta: "A gente queima todo dia mil bibliotecas de Alexandria". E segue: "Gente demais, com tempo demais, falando demais, alto demais". Tão alto que já está ensurdecedor.
Como jornalista de cultura e pessoa cronicamente online desde a comunidade "Eu odeio acordar cedo" do Orkut, também gosto muito de um debate a partir do cotidiano. Mas, pensando em todos os temas que esgotamos neste 2024 de mil assuntos, realmente me pergunto se não precisamos repactuar a direção da nossa atenção.
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