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Do lixo à arte: como a Alemanha vê o Brasil?
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Renato Abê é jornalista, escritor e especialista em jornalismo cultural com pós-graduação em artes cênicas

Renato Abê arte e cultura

Do lixo à arte: como a Alemanha vê o Brasil?

Apesar de partir de um caso triste da nossa história, que é a trajetória de Tibira do Maranhão, considerada a primeira vítima de LGBTfobia documentada no Brasil, a mostra é uma vitrine de muito do potencial inventivo do nosso País
Obra
Foto: Wandeallyson Lamdim / divulgação Obra "Sacratus", de Wandeallyson Lamdim, está na exposição "Degenerado Tibira: O Desbatismo"

A partir de personagem fictício apresentado em livro didático, estudantes alemães têm a chance de saber mais sobre o Brasil. Ao abrir a publicação, porém, os alunos encontram a seguinte narrativa: “Olá, meu nome é Marco. Eu vivo no Rio de Janeiro. Eu não vou à escola. Pela manhã, procuro restos de comida nas latas de lixo. Eu gostaria de me tornar um jogador de futebol profissional".

O estereótipo preconceituoso se torna ainda pior, pois, na mesma atividade, são apresentados personagens japoneses, quenianos e alemães – todos eles estudam e têm sonhos como ser advogado e professor. Já o Brasil ficou preso à imagem da pobreza e da visão de que o futebol como única ascensão possível.

Após repercussão negativa da obra voltada ao quarto ano do ensino fundamental, o livro “ABC der Tiere” (ABC dos Animais, em tradução livre) ganhou edição revisada pela editora Mildenberger, que escreveu se desculpou em nota nas redes sociais.

Infelizmente o que as crianças encontraram no livro didático não é fruto do descuido pontual e, sim, vem de uma visão eurocentrada ainda em voga que relaciona o Brasil apenas à miséria (ou, no máximo, a falsa ideia de que o futebol é chave de tudo que acontece por aqui). Sim, há crianças em situação de extrema pobreza no País e o esporte é, claro, um importante ativo cultural nosso, mas está longe de simbolizar tudo que temos pra mostrar.

Prova disso está em cartaz justamente na Embaixada Do Brasil em Berlim. A mostra de artes visuais “Degenerado Tibira” merece a visita da editora Mildenberger. Idealizada pelos cearenses da Plataforma Imaginários, a exposição destaca um panorama da arte queer brasileira sob a ótica de 19 artistas LGBTQIA+ de sete estados do Norte e do Nordeste do Brasil.

Apesar de partir de um caso triste da nossa história, que é a trajetória de Tibira do Maranhão, considerada a primeira vítima de LGBTfobia documentada no Brasil, a mostra é uma vitrine de muito do potencial inventivo do nosso País.

A abertura da exposição, realizada nesta semana, coincidiu com ações do 75º Festival Internacional de Cinema de Berlim (Berlinale) e artistas como Rodrigo Santoro puderam conferir de perto a mostra com destaque para cearense.

Essa imagem de riqueza simbólica (com artistas renomados e obras impactantes) também comunica a nossa nação. Por que a Alemanha não joga mais holofote nisso? Assim como reforça a publicação preconceituosa, os problemas sociais persistem (em todo mundo, inclusive, no país europeu), mas estacionar o olhar na pobreza (ou só no futebol) é extremamente reducionista. Sim, nosso país pode ter muito problemas, mas falta de pluralidade definitivamente não é um deles.

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