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Segurança Pública do Ceará exige guinada radical nos rumos
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

Segurança Pública do Ceará exige guinada radical nos rumos

Atribuir a saída de Samuel Elânio da SSPDS somente por causa dos maus índices de criminalidade é contar a história pela metade. Há uma crise interna na Polícia Militar que precisa ser encarada
Novo titular da SSPDS já foi instrutor do Bope. Roberto Sá também foi secretário da Segurança do Rio de Janeiro e do Espírito Santo (Foto: Divulgação/Governo do Ceará)
Foto: Divulgação/Governo do Ceará Novo titular da SSPDS já foi instrutor do Bope. Roberto Sá também foi secretário da Segurança do Rio de Janeiro e do Espírito Santo

O dia 3 de junho de 2024 ficará para a história recente do Ceará como o dia em que o Governo Elmano apertou o botão "reset" da gestão. A posse do delegado federal Roberto Sá à frente da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) sinaliza uma mudança de rota em relação à postura adotada, até então, pelo governador quando da escolha de seu secretariado.

É sabido que o momento mais propício para mudanças ocorre no início da gestão quando o capital político do gestor está em patamares elevados. No fim de 2022, havia a expectativa que os dois pilares da segurança pública do Governo Camilo Santana pudessem ser substituídos, tendo em vista a emergência de um novo governo. No entanto, Mauro Albuquerque se manteve à frente da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) e o delegado Samuel Elânio, secretário-executivo da SSPDS, assumiu a efetividade da pasta.

Na semana passada, o Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, secção do Ceará (OAB-CE), aprovou ofício solicitando ao governador o afastamento do secretário Mauro Albuquerque. Em nota, os motivos do pedido são descritos, dentre eles "constrangimento às advogadas em período menstrual (através de vistorias íntimas), body scan operados por policiais penais homens e assédios sexuais de agentes penitenciários".

O presidente da OAB-CE, Erinaldo Dantas, fez uma fala contundente: "Nós não vamos abrir um milímetro. Foram dezenas de representações, algumas criminais, nós vamos continuar nisso. Violar prerrogativa é violar direito estabelecido em Lei, é crime (…) A substituição do Secretário é necessária para restabelecer a integridade e a confiança no sistema penitenciário do Estado, então, esperamos que o governador possa dar a resposta em prol da advocacia e da sociedade cearense".

Samuel Elânio, por sua vez, teve as condições necessárias para implementar uma política de segurança ao seu modo. A opção escolhida foi a de manter (quase) tudo do jeito que estava, com exceção do fim do Programa Estadual de Proteção Territorial e Gestão de Riscos (Proteger) para dar lugar ao Comando da Polícia Militar para Prevenção e Apoio às Comunidades (Copac). Coincidência ou não, os assassinatos começam a subir no segundo semestre do ano passado, pouco tempo depois dessa alteração. Iniciativas louváveis, como a criação do aplicativo "Meu Celular", foram ofuscadas pela sucessão de recordes negativos, como o pior abril desde 2020.

Empatar em número de crimes violentos letais intencionais (CVLIs) com a gestão anterior seria o suficiente se a maré estivesse boa, o que não é o caso. Atender a contento as demandas da Polícia Militar é uma tarefa árdua, principalmente quando a corporação se vê representada por líderes populistas. Além disso, o Governo do Estado ainda é alvo de ataques de antigos aliados, como a Prefeitura de Fortaleza. O campo é minadíssimo.

Quando o secretário da Segurança afirma que, na comparação com o que vivemos entre 2017 e 2018, os números atuais da violência letal são menores, ele está correto em sua análise. Compreender a criminalidade dentro de uma perspectiva histórica é fundamental, mas a população está saturada, em especial as pessoas que vivem nas áreas mais vulneráveis. Qualquer afirmação do gestor público que não fosse um pedido de desculpa não seria tolerada.

Atribuir a saída de Samuel Elânio do cargo somente por causa dos maus índices de criminalidade, contudo, é contar a história pela metade. Há uma crise interna na Polícia Militar que precisa ser encarada. Como toda instituição que se baseia em hierarquia e disciplina, os problemas começam pelo topo. Há um estrangulamento no oficialato, com militares que não se aposentam emperrando a ascensão de quem vem depois. "É como se estivéssemos em uma fila, mas essa fila não anda. E quem está nessa espera torce para que haja crise, que o comandante caia e ele possa assumir", me conta um PM que pede para não ser identificado.

A corporação enfrenta ainda uma série de dicotomias graves que minam a atividade policial: Raio versus policiamento ostensivo e os PMs de rua versus os PMs de gabinete. "É preciso haver policiais com trajetória de policiamento ostensivo no comando. Quem está na base sabe a história de cada um e se incomoda com determinados tipos de cobrança de alguém que nunca esteve nas ruas", afirma o mesmo policial.

Por fim, há duas questões operacionais a serem levadas em consideração pelo novo gestor: a ocupação dos territórios, que deixou de ser feita pela atual gestão, e a volta das metas de redução de homicídios, que foram extintas na mesa de negociação do motim. A polícia precisa estar na rua, mas com direcionamento, organização e motivada. Não é o que se vê hoje, pelo menos na visão dos meus interlocutores.

Leio no O POVO que os atuais gestores das corporações deverão permanecer no cargo entre 20 e 30 dias. Nesse meio tempo, o novo secretário terá tempo de avaliar processos e métodos. O caminho traçado nesta coluna é um dos possíveis. A história vem nos ensinando que mudanças parciais ou cosméticas não têm sido bem-sucedidas na atual gestão. Talvez seja o momento de uma reforma radical na política de segurança. Pelas suas credenciais, Roberto Sá tem toda a condição para isso.

 

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