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A ciência e a segurança pública no Ceará
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

A ciência e a segurança pública no Ceará

São atribuições do Coesi aprimorar a qualidade da gestão das políticas de segurança pública e defesa social e propor a realização de estudos e pesquisas temáticas
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 22-07-2024: Governador Elmano de Freitas visita atendimentos do Programa Vet+Ceará
 com 17 clínicas credenciadas, que oferta atendimento veterinário a animais de tutores de baixa renda, prestam serviços como castração, consultas, exames laboratoriais e de imagem, além de cirurgias gerais. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo) (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 22-07-2024: Governador Elmano de Freitas visita atendimentos do Programa Vet+Ceará com 17 clínicas credenciadas, que oferta atendimento veterinário a animais de tutores de baixa renda, prestam serviços como castração, consultas, exames laboratoriais e de imagem, além de cirurgias gerais. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)

Em junho, o governador Elmano de Freitas criou o Comitê Estratégico de Segurança Integrada do Ceará (Coesi), órgão que pretende promover a atuação coordenada dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e de órgãos da Segurança Pública e Justiça em prol do combate ao crime. São atribuições do Coesi aprimorar a qualidade da gestão das políticas de segurança pública e defesa social e propor a realização de estudos e pesquisas temáticas.

Leio na coluna do Carlos Mazza, do OPOVO, que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) irá assinar um acordo de cooperação técnica com o Coesi para a elaboração de diagnósticos sobre gargalos no sistema de segurança pública do Estado. A iniciativa não é inédita. O governo Camilo Santana, em seu primeiro mandato, firmou parceria com a mesma entidade para elaborar os estudos do Ceará Pacífico em Ação.

É desnecessário ressaltar a capacidade de o FBSP prover diagnósticos e análises sobre o tema. Trata-se, afinal, da instituição que edita o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, referência nacional em dados tanto para quem pesquisa quanto para quem está à frente da gestão.

A questão que move esta coluna, no entanto, é a ausência de diálogo entre o Governo do Estado e quem faz pesquisa sobre segurança pública no Ceará. Desde o ano passado, o Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC) coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Violência, Poder e Segurança Pública (INVIPS), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Essa escolha se deveu principalmente pela capacidade de articulação, conhecimento e bagagem das pessoas que compõem o LEV.

O instituto reúne 15 grupos de pesquisa de referência, com atuação em 10 estados brasileiros: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. O INVIPS atua em cinco eixos centrais na produção de conhecimentos e na formação de recursos humanos: dinâmicas e efeitos da violência e do crime; fenômeno das facções criminosas no Brasil; segurança, instituições e atores; controle social e justiça; e fronteiras e economias ilegais.

É sabido que as facções operam de forma interestadual, seja expandindo sua área de predomínio para outros estados seja recebendo apoio e recursos de organizações criminosas transnacionais. O saber acumulado de tantos institutos de pesquisa é capaz de fornecer um painel da atuação de tais grupos, apontando elementos em comum e monitorando sua incidência.

Por sua vez, a análise comparada da atividade policial, feita a partir da experiência de cada estado, também pode servir como um repositório de casos exemplares a serem implementados no Ceará. Muitos dos pesquisadores que compõem o INVIPS prestam serviços de consultoria e capacitação, colocando-se em uma posição privilegiada de troca de conhecimentos e de escuta qualificada junto aos agentes de segurança.

Não mobilizar esse conhecimento, produzido por pessoas que experimentam a realidade da violência e da criminalidade de perto, representa um enorme desperdício não só para a pasta da segurança pública, mas para o próprio desenvolvimento socioeconômico do Ceará. Investir em ciência traz dividendos além de posicionar o Estado não apenas como consumidor, mas como produtor de
conhecimento especializado.

Façamos um exercício. Pensemos em um estado qualquer da Região Sudeste. Será que esse mesmo estado chamaria um laboratório do Ceará para fazer as pesquisas sobre suas dinâmicas criminais ou, ao contrário, procuraria recrutar e convocar as instituições de pesquisas de seu próprio Estado?

É preciso ainda definir o que será feito do cargo de Cientista-Chefe da Segurança Pública. O posto permanece vago desde o início do ano. A proposta é unir o meio acadêmico e a gestão pública. De acordo com o site oficial, "equipes de pesquisadores estão trabalhando nas secretarias ou órgãos mais estratégicos do Governo do Estado para identificar soluções de ciência, tecnologia e inovação que possam ser implantadas para melhorar os serviços e, desta forma, dar mais qualidade de vida para a população". Por que não fazer o mesmo na área da segurança pública?

O saber local traz um ângulo da crítica e do questionamento. É um trabalho semelhante ao que esta coluna realiza, só que muito mais aprofundado. Quem governa é alvo de objeções, sugestões e conflitos. A universidade não é um ser inerte, mas sim o espaço do confronto e do debate. Não é bom conselheiro quem só elogia. É preciso haver alguém que diga que o rei está nu.

Esperamos que mais detalhes sejam fornecidos durante a segunda reunião do Coesi, que ocorre hoje. O recado passado, até o momento, é de indiferença em relação à produção acadêmica realizada no Ceará. E isso é preocupante. Se a atuação das forças de segurança é territorializada, o mesmo acontece com o fazer científico. Contar com o apoio de instituições nacionais de pesquisa é muito bem-vindo, mas é preciso que Elmano tenha ciência de que santo de casa também opera milagre.


 

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