Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
Ao contrário do Governo Bolsonaro, cuja política principal na área da segurança pública consistia na liberação do uso de armas de fogos, o Governo Lula empenha-se em federalizar a questão, dentro dos limites legais. Um exemplo disso é a proposta de emenda constitucional que visa à ampliação das atribuições da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF), além de conferir status constitucional ao Sistema Único de Segurança Pública (Susp), criado por lei ordinária em 2018.
A PEC também pretende levar para a Constituição Federal as normas do Fundo Nacional de Segurança Pública e Política Penitenciária, unificando os atuais Fundo Nacional de Segurança Pública e o Fundo Penitenciário. A legislação compreende novas atribuições às polícias judiciária e ostensiva. O policiamento judiciário poderá atuar contra crimes ambientais e organizações criminosas e milícias privadas que tenham repercussão interestadual ou internacional, exigindo repressão uniforme. O policiamento ostensivo, por sua vez, abrangerá rodovias, ferrovias e hidrovias federais, devendo prestar auxílio às forças estaduais de segurança quando demandado.
De acordo com o texto apresentado aos governadores, a PRF passaria a se chamar Polícia Ostensiva Federal, destinada ao patrulhamento de rodovias, ferrovias e hidrovias federais. Autorizada, a nova polícia também poderá proteger bens, serviços e instalações federais; e ”prestar auxílio, emergencial e temporário, às forças de segurança estaduais ou distritais, quando requerido por seus governadores.”
A ideia de ostensividade da Polícia Federal é o ponto que considero mais polêmico e preocupante. É preciso estabelecer critérios bem objetivos sobre em quais circunstâncias a Polícia Federal poderá ser acionada pelos estados. Na reunião ministerial, Lewandowski cita o exemplo do 8 de janeiro de 2023.
“A Polícia Ostensiva Federal poderá exercer o policiamento ostensivo na proteção de bens, serviços e instalações federais. Se nós tivéssemos, no dia 8 de janeiro, uma Polícia Ostensiva Federal aqui, não teriam ocorrido as invasões das sedes dos Três Poderes. Porque nós dependemos da Polícia Militar do Distrito Federal”, ressaltou o ministro da Justiça.
No entanto, os governos vêm e vão. É louvável que tal força possa ser utilizada na defesa de instituições e de valores democráticos, mas e se tivermos um governante que queira aparelhar a polícia federal a fim de causar uma desestabilização entre os poderes, ou pressionar de algum modo os estados? O que uma força ostensiva federal teria feito nas eleições de 2022? O texto não nos diz nada sobre isso. Trata-se de um precedente perigoso que, a partir de uma ideia bem intencionada, pode ter resultados funestos.
No caso da Polícia Federal, ela passará a ser destinada a “apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União, inclusive em matas, florestas, áreas de preservação, ou unidades de conservação, ou ainda de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, como as cometidas por organizações criminosas e milícias privadas.” Segundo o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, tais mudanças atualizam o que já ocorre “na prática”.
Na apresentação aos governadores, o ministro garantiu que a PEC “não centraliza o uso de sistemas de tecnologia da informação; não intervém no comando das polícias estaduais; não diminui a atual competência dos estados e municípios; e não cria novos cargos públicos.” A ver.
A defesa de mudanças na Constituição passa, de acordo com o governo, pela concepção de que a natureza da criminalidade mudou, deixando de ser apenas local para ser também interestadual e transnacional.“Se no passado eram as gangues de bairro, o bandido isolado, violento que existia em uma cidade ou outra, em um estado ou outro, hoje nós estamos falando de uma organização criminosa que ganha contornos rápidos de organização mafiosa no Brasil, já que eles não só estão no crime, mas estão migrando para a economia real”, ressalta Rui Costa, ministro-chefe da Casa Civil.
Que as dinâmicas criminais mudaram drasticamente de 1988 para cá é um fato. No entanto, é preciso compreender a questão para além das medidas de repressão. A PEC da Segurança padroniza diversas práticas no âmbito dos governos estaduais. No entanto, é preciso que haja mais investimento na prevenção básica nos municípios, onde começam as ilegalidades e por onde adolescentes e jovens enveredam pelo mundo do crime. Atuar apenas em uma das esferas, a repressiva, é o que já vem sendo feito há tempos. E, pelo próprio diagnóstico do governo, não tem dado certo.
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