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Por uma prefeitura que resgate o valor da vida humana nas comunidades
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

Por uma prefeitura que resgate o valor da vida humana nas comunidades

Tipo Opinião

Começam a surgir os primeiros nomes do secretariado de Evandro Leitão (PT). Alguns deles já são bastante conhecidos em suas áreas de atuação, uma boa amostra do que pode vir por aí. No entanto, em se tratando de segurança cidadã e comunitária, o esforço vai além de um trabalho de forma isolada do futuro titular da pasta, o coronel PM Márcio Oliveira.

Será preciso uma articulação entre diversas secretarias, como Educação, Saúde e Direitos Humanos e Desenvolvimento Social, em torno de um desafio que há muito estamos perdendo: o resgate do valor da vida humana, em especial nas comunidades mais vulneráveis.

Na semana passada, em meio ao debate público sobre a indicação de Onélia Santana para o Tribunal de Contas do Estado (TCE), dois adolescentes foram assassinados enquanto retornavam da escola. Para a comunidade local, está evidente que o futuro da nossa juventude vale muito pouco. Os estudantes que viram o colega ser morto no Barroso carregarão aquela imagem para sempre, no temor de que possam vir a ser as próximas vítimas. A frieza com que Yasmin foi executada, pelas costas e sem nem ao menos perceber a ameaça, impressiona.

Cabe ao Governo do Estado o policiamento ostensivo e atuar como polícia judiciária. As investigações avançaram e a polícia já tem pistas sobre a autoria e motivação, com suspeitos presos e apreendidos. As facções vieram para ficar e ainda teremos de aturá-las por um longo tempo. Isso não impede, no entanto, que possamos reforçar os laços comunitários nas periferias, levando dignidade a quem há muito já perdeu. Muito pode ser feito em termos de superação dessa fratura social no cotidiano.

A vida acontece nas ruas, avenidas e vielas da cidade, espaço privilegiado de atuação da Prefeitura. Tanto se falou na campanha da importância do alinhamento com os governos federais e estaduais. Agora é hora de mostrar o que essa sinergia pode fazer de efetivo na vida das pessoas.

Para tanto, o poder municipal pode funcionar como catalisador de um processo de mobilização social que vise ao fortalecimento da confiança e do capital social, com impactos promissores na redução da criminalidade.

Abordei em uma coluna de maio o quanto a lógica espacial durável organiza e medeia grande parte da vida social, tendo os bairros e as comunidades locais como um componente chave. Tais espaços são socialmente produtivos, além de determinar a quantidade e qualidade dos comportamentos humanos em seu interior.

A atuação dos indivíduos localizados em vizinhanças pode impactar na melhoria de suas próprias vidas, ampliando sua "eficácia social", um conceito que reúne elementos como coesão social, expectativas compartilhadas em torno de controle social e disposição para a ação coletiva.

A partir de um comitê envolvendo diversos representantes da sociedade — com participação dos setores públicos, privados e ONGs — a gestão que se inicia em janeiro pode elaborar e executar um ambicioso plano de segurança que pense a cidade como um ambiente de fomento de práticas inovadoras e eficazes na construção de uma sociabilidade menos violenta. Seguem, portanto, algumas pistas de ação que poderiam estar na mesa do próximo gestor municipal:

Fazer com que a Guarda Municipal possa ser um agente de cidadania nos bairros, em um trabalho integrado com escolas e postos de saúde, indo além da lógica das torres de vigilância.

Acompanhar as adolescentes e jovens mulheres desde o pré-natal, mapear necessidades e vulnerabilidades. Prestar apoio aos grupos de mães que veem seus filhos se perderem no mundo do crime ou serem vítimas da violência estatal. Abraçar suas pautas, tecer redes de apoio institucional e de agências coletivas, fortalecendo o papel da sociedade civil.

Nas escolas, promover de forma intensa uma cultura de paz e combater a misoginia que perpassa a formação de nossos meninos. É preciso discutir fortemente as noções de gênero e de igualdade racial, começando pelos professores e estendendo-se aos alunos.

Incidir concretamente nos assentamentos precários, fazendo com que o poder público (compreendendo aqui União, Estado e Município) possa estar presente por meio de serviços públicos e infraestrutura em áreas completamente abandonadas pela governamentalidade, ficando sob o jugo das organizações criminosas.

O que foi exposto aqui configura-se como um conjunto de ações que podem repercutir não só nos índices de violência, mas na constituição de uma sociedade mais humana, cuja perda de seus membros se faz sentida e traz consequências. Por óbvio, muito mais ideias podem surgir. A imaginação política precisa ser ativada para que possamos fugir do mais do mesmo. Utópico? Talvez, mas o que temos mais a perder do que viver em meio a um completo esgarçamento do tecido social?

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