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A deusa desrespeitada
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

A deusa desrespeitada

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À memória de Joaquim Feitosa

Agnóstico, para mim, a Natureza (assim mesmo, com "n" maiúsculo) é uma deusa que comanda tudo na vida. Pode ser generosa, quando a consideramos e compreendemos o seu ritmo. Todavia, pode ser vingativa quando não lhe damos a atenção devida ou a desprezamos. Parece-se muito com aquelas divindades gregas, as quais tinham mágicos superpoderes, mas sentiam e se comportavam como seres humanos. Beleza e fúria na mesma essência. Muito aprendi dessa rainha com aquele que homenageio nesta crônica. Homem dos sertões dos Inhamuns, sempre risonho e sábio, o paladino da ecologia cearense conhecia os bichos, as plantas, o que as nuvens diziam. Decifrava com facilidade os mistérios da diva, pois deles nossa existência é dependente.

Penso nessas questões enquanto vejo na TV o Rio Grande do Sul submerso. O Guaíba deixou de ser rio e agora é lago, recebendo a água de vários rios, despejando-se barrento na Lagoa dos Patos e inundando a Porto Alegre de Lupicínio. Dá pena ver a Usina do Gasômetro, o Mercado Público e o Hotel Majestic, lar do poeta Mário Quintana, debaixo d'água. Dá mais pena ainda, além de raiva, constatar que o governador do estado, envergando sua jaqueta preta-e-laranja, alinhou a política ambiental gaúcha com a do governo federal no tempo do inominável, abrindo clareiras na mata para o plantio de soja e o criatório de gado. Hoje, perdido, reclama que as doações atrapalham o comércio. Será que se alinha entre os defensores do irracional Estado do Sul?

Como dizia um sabido bem acolá, as consequências geralmente vêm depois. Há muitos anos que se fala sobre o aquecimento global, a perda das selvas, o consumo desenfreado, entre outras questões ambientais, e os ouvidos seguem moucos. Para piorar, há os negacionistas da ciência, aqueles mesmos que afirmaram que a pandemia era só uma gripezinha e que hoje espalham fake news a torto e a direito na terra de Leonel Brizola. Contrariando o Ibrahim Sued, no Sul o cavalo não só subiu escada como trepou no telhado para escapar da enchente, vejam só. Quando assisto aos socorristas em seus jet-skis, lembro-me do inelegível deslizando no mar de Santa Catarina enquanto a Bahia se desmanchava. "Tá se dizendo, tá se teimando", diria mamãe, austera.

Como a burrice e a ganância estão em todos os lugares, soube-se da tentativa dos promotores de uma micareta local em querer acabar com 20 hectares de mata atlântica para realizar uma festa de apenas quatro dias. Vazou que não é desmatamento, é supressão vegetal, eufemismo cínico, peneira que não pode tapar o sol. E logo em área da minha querida Base Aérea, o Cocorote, que me abrigou quando aqui cheguei de Minas Gerais. Falta de planejamento: nossa prefeitura há tempos já deveria ter definido um local, seguro e de fácil acesso, para a realização de grandes eventos do tipo. Será que é tão difícil achar um lugar em Fortaleza ou na região metropolitana que se preste a isso? Será que a lógica dos empreendimentos será sempre essa, a da destruição? Arre égua...

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