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De flores e pássaros
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

De flores e pássaros

A Côca Torquato e Virgílio Maia

O que são pássaros senão flores que voam e cantam? É a conclusão a que se chega quando se sai da exposição "Só para ver-te agora são meus olhos", de Côca Torquato, em cartaz no Museu de Arte da UFC (MAUC). São trabalhos em papel e porcelana, aquarelas delineadas a nanquim e pinturas, os quais têm como tema a conjunção entre os bichos alados e os rebentos florais, ora numa profusão de cores, ora com um grafismo quase japonês. Autodidata e telúrica, Côca transita entre as suas memórias sertanejas, reinventando-as e ampliando a sua potência. A poesia do seu marido Virgílio, áspera e doce como uma fruta nordestina, certamente serve-lhe de inspiração na feitura da sua arte. Há também traços do Movimento Armorial de Suassuna, tão popular quanto erudito.

Mas vamos às flores e aos pássaros. Estes, quase sempre aos pares, são recriações de indivíduos de nossa fauna aérea: beija-flores, rolinhas caldo-de-feijão, gaviões, canários, corrupiões. Quanto à flora, Côca nos traz a vegetação esgalhada da caatinga, as juremas pretas, os cajueiros, as costelas-de-Adão, os urucuns. A construção dos planos das cenas reflete um pleno domínio do contraste e do equilíbrio figurativos. Não há só o espelhamento das figuras, mas também o sutil posicionamento delas em relação ao fundo e aos demais elementos que compõem o quadro. A composição revela igualmente o apuro geométrico na organização do que é exibido, considerando os pesos dos vários componentes em cor, desenho, presença e movimento. Uma festa para os olhos.

De forma perspicaz, a artista faz uso do seu museu particular nas citações que realiza relativamente à arte rupestre, riquíssimo acervo nosso ainda por conhecer e explorar, aos ferros de marcar gado, objeto de pesquisa de Virgílio Maia e que acabou virando um belo livro seu, e até à obra de Joan Miró, o artista surrealista catalão. Em suas pinturas, os pássaros sugam o néctar e a seiva de flores e folhas para alimentar o amor que compartilham aos beijos. Há momentos em que as figuras se desmaterializam, tornando-se quase peças de design. O tratamento cromático é livre, quer dizer, evidencia o desejo da pintora em ver as folhagens e as plumagens com outros matizes que não os que a natureza nos oferece. Chama-se a isso imaginação criadora, o transver, pessoal e indomável.

Diz-se que uma exposição de arte é boa quando saímos dela melhor que entramos. O aguçamento dos modos de enxergar, pensar e sentir, a percepção dos detalhes e sutilezas, no caso, o reencontro com a delicadeza e a doçura num mundo tão difícil e violento como o que vivemos hoje, realmente é uma benção e um privilégio. Foi o que experimentei ao final da minha visita ao MAUC. Ao passar pela porta do museu, pensei de mim para comigo: "Como essas obras serão percebidas pelas pessoas? Que tipo de reflexão desenvolverão sobre elas?". A resposta às minhas perguntas estava no catálogo, dada pela Profa. Aíla Sampaio: "É uma poética de imagens que espera pelos olhos do público para ganhar, cada uma, sua própria narrativa". Em cada cabeça, uma sentença...

 

Foto do Romeu Duarte

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