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Memória e dignidade
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Procurador da República, atuando especialmente nas áreas de Direito Penal, Constitucional e Administrativo é graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. Especialista em Direito e Processo Tributário e em Direito Constitucional

Memória e dignidade

Na tragédia, Antígona, num gesto de insubmissão, invoca o direito natural como superior à norma dos homens, fazendo referência a normas de outros tempos, não escritas e inevitáveis, em oposição às determinações de Creonte

Um dos principais marcos civilizatórios, e traço diferencial entre os homens e os demais seres vivos, consiste no tratamento e respeito para com os mortos, lhes assegurando dignidade e memória. Com efeito, vestígios históricos demonstram que os neandertais já adotavam uma série de rituais e procedimentos relacionados à morte e despedida dos seus entes mais próximos, segundo as mais variadas correntes religiosas, passando pelas pirâmides do antigo Egito até os tempos atuais.

Sob tal realidade histórica, na qual a necessidade de observância à dignidade se estende da vida à morte, cabe relembrar a clássica tragédia grega de Sófocles, Antígona, datada de 446 anos antes de Cristo, na qual se destaca a prevalência de um direito natural superior à própria lei posta, ao qual deveriam se submeter inclusive os tiranos, como limite aos seus poderes.

Na tragédia, Antígona, num gesto de insubmissão, invoca o direito natural como superior à norma dos homens, fazendo referência a normas de outros tempos, não escritas e inevitáveis, em oposição às determinações de Creonte. O governante proibira o sepultamento de seu irmão, Polinice, acusado de traição e considerando inimigo, a pretexto de assegurar convivência pacífica dentro da cidade-estado de Tebas. Acaba Creonte por confiná-la a uma caverna, na qual vem a perecer, com a tragédia posteriormente recaindo sobre todos.

Trazendo uma análise para a sociedade contemporânea, pode-se apontar para a necessidade de observância pelo Estado de mandamentos compulsórios dos quais não se pode afastar, como a supremacia do texto constitucional do qual emana. A ordem sem justiça representa a tirania, que não pode subsistir numa sociedade democrática, regime que exige portanto que à legalidade se associem a legitimidade e os valores mais elevados da dignidade.

Memória e dignidade representam vetores essenciais dos quais não se pode afastar o agir estatal. Por essa razão é que ainda representa uma tragédia brasileira a postura de esquecer o passado, com o fim de assegurar suposta pacificação, resultando num país sem memória e sem paz.

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