Logo O POVO+
A instituição social ‘escola’ ainda não deu certo
Foto de Sara Rebeca Aguiar
clique para exibir bio do colunista

Jornalista, Professora, Empreendedora social, Mestre em Educação (UFC). Nesta coluna Cidade Educadora, escreve sobre os potenciais educativos das cidades, dentro e fora das escolas

A instituição social ‘escola’ ainda não deu certo

De forma geral, o sistema escolar é um ambiente de muitas violências silenciosas (ou nem tanto) diárias. Infelizmente, estamos longe de termos um espaço de sociabilidade saudável nas instituições de ensino, sejam elas públicas ou privadas
Tipo Opinião
Brinquedos, livros e decoração de sala de aula devem ser pensados para o desenvolvimento de uma escola antirracista (Foto: AdobeStock)
Foto: AdobeStock Brinquedos, livros e decoração de sala de aula devem ser pensados para o desenvolvimento de uma escola antirracista

.

Os meses de março e abril concentram datas importantes, no calendário nacional e internacional, para reflexões e debates sociais sobre temas que desafiam imensamente a humanidade acerca de uma convivência mais igualitária e respeitosa. Nas últimas semanas, registramos o Dia da Discriminação Zero (1/3), Dia Internacional da Mulher (8/3), Dia Internacional da Luta pela Eliminação da Discriminação Racial (21/3), Dia Internacional da Visibilidade Trans (31/3), Dia Mundial da Conscientização do Autismo (2/4) e o Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência nas Escolas (7/4). Só para citar algumas.

Em boa parte das escolas, essas datas, quando abordadas, ecoam por atividades pontuais que tentam trazer para crianças e adolescentes mais consciência social. Preciso dizer que o nível de efetividade dessas elaborações escolares ainda está bem aquém do que a sociedade precisa. E está aquém, porque a data deve ser apenas para reforçar posturas que necessitam ser praticadas o ano inteiro. Todas as interações e as disciplinas curriculares devem ser atravessadas por esses temas, dia após dia; os tais temas transversais, tão falados. Mas não são. E isso não é nenhuma novidade.

Não é por falta de potentes estudos teóricos e práticos que a escola está capenga, em termos de formação de seres humanamente sociais. Grandes pensadores nos sacudiram por análises socio comportamentais, contextualizadas às escolas. O sociólogo francês Èmile Durkheim (1858 – 1917) nos trouxe a necessidade de construir uma moral coletiva, condição essencial para a solidariedade orgânica na sociedade, a partir de uma concepção capitalista. Para ele, o ato de educar os indivíduos é um fato social, pois a maior beneficiária do processo educativo é a própria sociedade.

A coletividade, aliás, foi o centro dos principais estudos do educador norte-americano John Dewey (1859 – 1952), que defendia que a aprendizagem de todo conhecimento deve ter por fim a prática social. Ele valorizava a experiência de cada indivíduo integrada com a experiência dos outros.

O filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) nos provocou com seus estudos sobre a disciplina convencional tãaaao valorizada pelas escolas. Por suas análises, ele chegou à conclusão de que o espaço-tempo escolar é algo projetado para possibilitar que o professor controle seus estudantes, intitulando a escola como uma máquina de vigiar, hierarquizar, recompensar.

No entendimento de Foucault, muitas práticas vivenciadas no cotidiano das escolas têm por objetivo ensinar às novas gerações a aceitar o padrão – de forma e conteúdo – como a maneira mais “natural” de existir. Essa “docilização dos corpos”, segundo ele, favorece o controle e a produtividade, evitando os questionamentos sobre a realidade que está posta e a luta por um mundo diferente... Muito familiar, não?

Eu poderia citar vários outros estudiosos, mas não posso me esquecer daquele que nos projetou mundialmente nos debates acerca de uma educação para a emancipação e para a liberdade. Nosso saudoso Paulo Freire (1921 – 1997) defendeu a autonomia do ser e do saber do educando, por ser ele um sujeito já social e histórico, mesmo antes da escolarização.

O pesquisador criticou veementemente as práticas pedagógicas arbitrárias, de somente acúmulo de informações, sem criticidade, sem questionamentos, às quais somos submetidos há anos. De acordo com Freire, apenas com conhecimentos críticos somos capazes de transformar realidades. Para ele, precisamos formar cidadãos atuantes no convívio com os outros, na luta política por direitos, respeito e dignidade. Isso é consciência social.

Sim, a sociedade que vivemos é um reflexo da escola que forma nossas crianças e adolescentes. A escola vivida por uma geração é o laboratório experimental, do mais alto nível, da sociedade que surgirá dela. Principalmente, nesta época de enaltecimento de escolas em tempo integral.

Em uma pesquisa rápida pelo meu Instagram pessoal, com amigos que me acompanham, acerca dos principais incômodos que eles sentem em relação à escola dos filhos, ouvi relatos como: “currículos prontos, sem escuta, sem levar em conta os interesses das crianças”, “práticas repetitivas e mecânicas, sem contextualização, distantes da vida real e da natureza”, “sistema escolar inteiro é antipessoas”, “[escola] está ficando mais conteudista, há a ampliação da competição”, “falta verde, falta terra, falta brincar. Dá vontade de juntar mães e fundar nossa própria escola”.

É verdade. Dá vontade de fundar nossa própria escola. Hoje, no Brasil, muitas das escolas ditas alternativas, que fogem da padronização de serem conteudistas, controladoras e distantes da realidade, foram fundadas a partir do incômodo de algumas famílias ao sistema.

Preciso confessar: desde bem pequenos, ensino meus filhos a estar na escola como um ambiente em que é necessário possuir estratégias de sobrevivência. Isso mesmo: sobrevivência. Sobrevivência a todo tipo de violência. Antes, eu não falava exatamente assim, pra eles, mas sabia que eu precisava prepará-los para isso. Hoje, já falo alguns aspectos.

Em um outro texto, prometo explicitar melhor, mas refere-se às habilidades de saber conviver com gregos e troianos, sem deixar que ninguém os machuque. Não sei se é muito educativo isso, mas, no fundo, quero que eles passem pela fase escolar sem grandes traumas.

Dia desses, estava conversando sobre essas estratégias com uma amiga, em um encontro casual na padaria. Ela estava triste porque o filho havido sofrido forte bullying na escola (uma grande escola particular da Capital), que foi inábil na condução da situação, e minha amiga precisou transferir o filho para outra instituição. Pois bem. Meus filhos estudam em uma escola alternativa e, vez ou outra, eles chegam em casa dizendo que querem sair da escola, com reclamações em relação a outros estudantes e até a professores.

Com toda a franqueza de quem já vem pesquisando e atuando nas escolas públicas e particulares cearenses há um bom tempo, é preciso que se diga: não existe escola perfeita, mas a consciência social de respeito à diversidade e à pluralidade cultural deve existir. Todos os dias. Isso é inegociável, porque é de convivência que estamos falando, de empatia, de liberdade de ser o que se quiser ser; estamos falando é da construção de interesses individuais que encontram sentido nos interesses coletivos.

E tudo isso deve estar acima da ambição, da competitividade egoísta, da intolerância, da apatia, do descaso com o meio ambiente de que todos somos parte. Se não alcançarmos essa compreensão prática no dia a dia, a sociabilidade saudável jamais será alcançada.

Foto do Sara Rebeca Aguiar

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?