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Parentalidade, meio ambiente e legado
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Jornalista, Professora, Empreendedora social, Mestre em Educação (UFC). Nesta coluna Cidade Educadora, escreve sobre os potenciais educativos das cidades, dentro e fora das escolas

Parentalidade, meio ambiente e legado

Nesta semana do Dia Mundial do Meio Ambiente, um papo família sobre as maneiras com que lidamos com a sustentabilidade dentro de casa, diante das crianças e dos adolescentes que nos cercam
Tipo Análise
Educar crianças e adolescentes requer compromisso que extrapola alimentar, vestir, garantir escola (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Educar crianças e adolescentes requer compromisso que extrapola alimentar, vestir, garantir escola

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É daquele trabalho de formiguinha de que venho falar; da fábula do beija-flor que voava repetidas vezes, do rio para a floresta, com gotas de água em seu bico e as despejava sobre as chamas que atingiam a vegetação. É sobre a pequena parte de cada um que importa tanto para o todo. Qual a relevância dos nossos hábitos, enquanto cuidadores de crianças e adolescentes, para esse todo de cuidados necessários com o meio ambiente, com a sociedade, com nós mesmos?

Vivemos em um tempo em que discursos vazios já não interessam mais. Nunca importaram, na verdade, mas acho que alimentávamos ilusões de que podiam ser reais, nem que fossem para inspirar quem era real, de fato. Mas, hoje, nem isso faz mais sentido. São as atitudes, as posturas, as iniciativas de mobilização, os comportamentos do dia a dia que vão determinar que planeta teremos daqui a alguns anos.

É na insistência, tantas vezes invisível e, aparentemente, tão irrelevante, dos nossos esforços particulares que estão as esperanças de salvarmos homem, terra, água, ar e animais de um colapso completo.

Educar crianças e adolescentes requer compromisso que extrapola alimentar, vestir, garantir escola. Eles podem ter grandes lições de sustentabilidade sem que o Instagram receba mais um post de exibição de boas práticas. Sem que ninguém saiba, podemos, cada um de nós, fazer microrrevoluções nas nossas casas, nos nossos núcleos familiares.

E eu me refiro sim a cultivar exemplos, como exercer a coleta seletiva, separando o lixo dentro de casa para a reciclagem e/ou para a compostagem; ensinando a economizar água ao tomar banho, ao escovar os dentes, ao lavar os pratos e as roupas; orientando a não desperdiçar também alimentos ou energia elétrica; conduzindo a compreensão de que roupas usadas podem ser doadas ou podem ser adquiridas, em bom estado, em nome de um consumo mais consciente, sem nenhum agravo às boas energias que nos regem.

Experimente deixar o carro em casa, vez ou outra. Vá de ônibus, de metrô, de bicicleta, a pé. Leve as crianças junto. Conversem sobre o que veem, sobre o que ouvem, sobre o que sentem. Ouse visitar espaços mais periféricos, se for o seu caso. Saia da bolha. Pergunte a elas o que fariam se tivessem o poder de mudar situações que as deixam desconfortáveis.

Permita que as conversas sobre os desconfortos partam delas, mas não deixe de as instigar a olhar para o errado de maneira diferente. Não aceite que os olhares mais jovens normalizem a desumanidade e a injustiça. Observe muito sua criança ou o seu adolescente, quando estiverem em um passeio pela cidade.

Sempre que possível, façam piqueniques nos parques públicos da cidade, enchendo a toalha quadriculada de comida natural e saudável. Frequentem praças, bosques, florestas urbanas. Visitem museus, pinacotecas, galerias de arte, exposições. Vão ao teatro. Gastem tardes em livrarias ou em bibliotecas públicas.

Brinquem juntos. Corram, tomem banho de mangueira, de chuva, de rio, de lagoa, de mar. Gargalhem juntos ao ler aquele livro de piadas. Olhem o céu, localizem as constelações no espaço, acompanhem um eclipse. Convide suas crianças e seus adolescentes a assistir ao pôr do sol e, sempre que possível, ao nascer do sol, mesmo diante dos grunhidos de insatisfação. Sintam sob os pés descalços o frescor do orvalho do amanhecer.

Se der, conheçam as luzes de Nova York e o charme de Paris, mas não deixem de viajar para o Interior, para as áreas mais rurais do lugar onde moram. Subam em árvores, observem os animais da região. Conversem com as pessoas mais antigas daquele vilarejo.

E o que é que tudo isso tem a ver com sustentabilidade e com cuidado com o meio ambiente?

Tudo isso é conexão com o que está vivo e com o que nos mantém vivos. Não existe pensamento e postura críticos sem o entendimento de que somos parte do todo. Nenhuma compreensão significativa da realidade é construída sem lembranças.

É a memória que transforma. Precisamos que crianças e adolescentes conheçam a humanidade, o afeto e a natureza pelos sentidos (não só pelos livros!), pois, só assim, estarão preparados para cuidar muito bem do mundo inteiro.

Não preciso nem falar aqui do quanto necessitamos nos reconectar com o que vale a pena, de fato. Nada disso anula a ambição de querer ter um bom emprego para ter dinheiro para comprar a casa e o carro que quiser. Tudo isso só nos prepara para a conciliação entre os sonhos individuais e as necessidades coletivas e de que os primeiros jamais devem ultrapassar as segundas.

É este, ao meu ver, o maior e, tem sido, o mais raro legado da parentalidade atual.

Foto do Sara Rebeca Aguiar

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