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A culinária cearense também é indígena
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Antropóloga, pesquisadoras de culturas alimentares, doutoranda UFBA e Coordenadora de Cultura Alimentar e Pesquisa da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco

Vanessa Moreira gastronomia

A culinária cearense também é indígena

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Tipo Opinião

Hoje, 19 de abril, precisamos pensar na importância do Dia dos Povos Indígenas, data para reconhecer e valorizar a diversidade das histórias e culturas dos povos indígenas brasileiros, combater preconceitos e reivindicar políticas públicas que garantam direitos aos povos originários. Temos de reconhecer que a cultura indígena tem uma forte ligação com a terra, que fortalece e mantém nossa biodiversidade e práticas alimentares. Apesar disso, não pararam no tempo, podendo participar das muitas instâncias da vida social urbana.

Importante entendermos que a troca do Dia do Índio por Dia dos Povos Indígenas nos convida a pensar que cada território indígena apresenta características socioculturais e territoriais particulares, apresentando uma cultura alimentar indígena também diversa, consequência da agricultura, da coleta e da caça, do acesso à água, dos saberes e ofícios tradicionais, das práticas de preservação do patrimônio alimentar e das memórias sociais.

O Ceará tem um povo criado à base de mingau, pirão, farinha de mandioca, milho e banana, reverberando esses hábitos e saberes ancestrais até hoje. Vemos o quanto é comum na nossa alimentação a tapioca, o cuscuz, a farofa, a canjica e a pamonha, que marcam nossa identidade alimentar, grande ferramenta de luta contra a alimentação homogeneizada, ultraprocessada e sem memória.

Atualmente, o Ceará tem uma população indígena estimada em cerca 36 mil pessoas, formada por 15 povos indígenas, que vivem espalhados entre as serras, sertões e zona costeira, conforme Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará.

Entre os Jenipapo-Kanindé, a aldeia Lagoa Encantada é um ambiente formado entre dunas, faixas de praia e a própria lagoa, a cultura alimentar é representada pelo mocororó, bebida extraída do caju azedo, pescados como cará tilápia, feijão verde, loca de batata doce, uma preparação que leva leite de coco, e uma fartura de frutas que fazem lama, como pitomba, cajá, murici, caju, manga, todas parte do cotidiano e das memórias desse povo. Além da grande riqueza dos produtos feitos à base de mandioca, como farinha, goma, carimã, puba, que são feitos na Casa de Farinha.

Conforme Juliana Alves Cacica Irê, secretária dos povos indígenas do Estado do Ceará, "a alimentação nas aldeias indígenas está relacionada à conexão espiritual, porque o alimento é sagrado. Há história e saberes dos guardiões sobre a alimentação respeitosa, reafirmando a cultura desses povos".

O povo Kanindé, que está na região serrana da Aratuba, é a agricultura familiar a partir do plantio de milho, feijão e fava que marcam as práticas alimentares, proporcionando receitas como pão de milho, mexido de fava, canjica doce e canjica salgada, xerém papo e xerém seco, pamonha doce e pamonha salgada, bolo de milho na palha, angú, fubá de milho e as bebidas aluá de milho e gororó, feita com rapadura, coco raspado, caldo de feijão e espigas de milho. Para comemorar a colheita do milho celebra-se a Festa do Muncunzá, evento organizado por crianças, jovens, adultos e "troncos velhos", fortalecendo a tradição e a manutenção dessas preparações na alimentação entre os Kanindé.

Para Rildelene Kanindé, o "que comemos diz quem somos e de onde vinhemos, é a nossa ligação com a natureza e respeito à sabedoria dos nossos troncos velhos. Preservar a cultura alimentar do meu povo é ter a presença viva dos meus ancestrais".

O que caracteriza os povos indígenas é a relação orgânica e honrada com o território, tornando-os guardiões da natureza, fruto da relação íntima de quem planta, colhe, caça, pesca e cozinha, reverberando a sabedoria adquirida pelos "troncos velhos", que celebram e ritualizam a vida.

Já pensou em conhecer e ter experiências numa comunidade indígena? O povo Jenipapo-Kanindé vive às margens da Lagoa Encantada no município de Aquiraz (51 km de Fortaleza), oportunizando o turismo comunitário, a visita ao museu e a participação na Festa do Mocororó e no Marco Vivo. Mais detalhes no site.

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