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A cajuína não é tipicamente cearense?
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Antropóloga, pesquisadora de culturas alimentares, doutoranda UFBA e Coordenadora de Cultura Alimentar e Pesquisa da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco

Vanessa Moreira gastronomia

A cajuína não é tipicamente cearense?

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tem a função de proteger e promover os bens culturais do País, assegurando sua permanência e usufruto para as gerações presentes e futuras, salvaguardou a produção artesanal e práticas socioculturais associadas à cajuína no Piauí
Tipo Opinião
A cajuína, embora identificada como uma bebida cearense, é registrada como patrimônio do Piauí (Foto: acervo da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco)
Foto: acervo da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco A cajuína, embora identificada como uma bebida cearense, é registrada como patrimônio do Piauí

O Ceará e o Piauí têm vivido algumas disputas: enfrentam um litígio há 265 anos por um território de 3 mil km² - o dobro da cidade de São Paulo; e desde 2009 tensionam a origem da cajuína, que se transformou em patrimônio imaterial nacional, com relevância para a formação da identidade regional, em especial, mas não exclusivamente, à identidade piauiense, causando um debate interessante sobre o mito da origem dessa bebida tradicional para o Ceará.

No Brasil, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tem a função de proteger e promover os bens culturais do País, assegurando sua permanência e usufruto para as gerações presentes e futuras, salvaguardou a produção artesanal e práticas socioculturais associadas à cajuína no Piauí. Para tanto, foi feito um dossiê, destacando o questionamento da ideia da cajuína como bebida tipicamente piauiense por parte de produtores do Ceará, reivindicando a invenção da cajuína no final do século XIX, pelo escritor e farmacêutico baiano, radicado no Ceará, Rodolfo Teófilo.

É fato que o Ceará vive a cultura do caju com uma abundância de cajueiros propícia para a fartura de castanha, mas que frustra pelo pouco uso e o baixo valor comercial do pedúnculo do caju, tendo a cajuína como uma das alternativas de beneficiamento mais exitosa. O feitio da bebida requer saberes tradicionais sobre as leis da natureza, o cultivo, a colheita e a produção, que se diferenciam nas regiões do Ceará.

Em Aracoiaba, Silvanar Soares, filho de profeta da chuva, observa o caminhar das formigas e a inclinação da lua para entender quando será a última chuva boa, para estimar a colheita dos últimos cajus da safra. Na produção da bebida, reconstruiu e inventou estruturas, as tais das tecnologias sociais, para filtrar o suco do caju macerado já clarificado com gelatina - houve um tempo que usavam seiva do cajueiro e mutamba, assim como para lavar as garrafas, criou uma moldura de madeira com uma furadeira e um lavador de mamadeiras. Silvanar, como os demais produtores de cajuína, mantêm a cajuína ainda presente porque buscam adaptações, desenvolvendo estratégias para produção e para valorização do produto. A cajuína São João, por exemplo, passou por um processo de aperfeiçoamento pela Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco, em parceria com a Embrapa Alimentos e Territórios, que resultou na criação da versão vegana.

Na busca pela ancestralidade da cajuína, bebidas de caju como cauim, mocororó, vinho de caju curtido ao sol foram registradas em muitas comunidades indígenas, mostrando grande relevância para o sentimento de pertencimento e identidade locais dos entrevistados da pesquisa, que justificou a importância da cajuína para o Piauí até com a aclamada música de Caetano Veloso, chamada Cajuína:

"Tampouco turva-se a lágrima nordestina/ Apenas a matéria vida era tão fina/ E éramos olharmo-nos intacta retina/ A cajuína cristalina em Teresina"

Foto do Vanessa Moreira

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