Antropóloga, pesquisadora de culturas alimentares, doutoranda UFBA e Coordenadora de Cultura Alimentar e Pesquisa da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco
Antropóloga, pesquisadora de culturas alimentares, doutoranda UFBA e Coordenadora de Cultura Alimentar e Pesquisa da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco
O Ceará carrega um estigma histórico ligado à fome, alimentado por episódios marcantes como a Seca de 1915 e os campos de concentração criados durante as grandes secas do início do século XX. Esses espaços de confinamento, destinados a conter retirantes em busca de sobrevivência, ecoam até hoje na memória coletiva como símbolos de uma tragédia humanitária. Situado ao sul da Linha do Equador, o estado sofre influências de um clima tropical quente e seco, com altas temperaturas e predominância do bioma caatinga.
Antropologicamente, o sistema alimentar reflete a interação entre características naturais - solo, água, clima, umidade, vegetação - e culturais - saberes, tradições e práticas religiosas -, que moldam a seleção de alimentos, formas de preparo, consumo e descarte. Compreender essa relação é essencial para desconstruir estigmas e criar soluções efetivas para a segurança alimentar, que envolvem também fatores políticos, econômicos e sociais.
Um século depois, o Ceará e o Brasil ainda enfrentam o desafio de garantir a segurança alimentar e nutricional, assegurando o direito de todos a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente e de forma regular, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais. Isso deve ocorrer com base em práticas promotoras de saúde, respeitando a diversidade cultural e sendo ambiental, econômica e socialmente sustentáveis. Embora 14,5 milhões de brasileiros tenham saído da fome em 2023, milhões ainda vivem em condições de insegurança alimentar. Segundo a FAO, a insegurança alimentar severa ocorre quando uma pessoa não tem acesso a alimentos e pode passar um dia inteiro ou mais sem comer.
Nesse cenário, o Ceará tem se destacado como referência em ações integradas entre poder público, empresas e sociedade civil. Um exemplo concreto é a Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco, espaço de formação, pesquisa e inovação, que tem como missão formar agentes capazes de promover a cultura alimentar como ferramenta de luta pela segurança e soberania alimentar. Em um mundo marcado pelo avanço da alimentação industrializada e homogeneizada, a Escola defende o consumo consciente e práticas responsáveis, utilizando insumos da horta agroecológica, produtos e serviços alinhados a princípios éticos, sociais e ambientais.
Nas aulas práticas, os alunos aprendem a reduzir o desperdício com o aproveitamento integral dos alimentos, além de gestão de resíduos, compostagem e reciclagem. Pesquisas e cursos estimulam a criação de receitas e produtos que valorizam insumos da sociobiodiversidade, contribuindo para enriquecer a paisagem gastronômica do Ceará e inspirar mudanças.
No âmbito das políticas públicas, destacam-se o programa Mais Nutrição e o Ceará Sem Fome. O Mais Nutrição redistribui alimentos excedentes ou fora dos padrões comerciais para instituições que atendem populações em situação de vulnerabilidade, combatendo a fome, reduzindo o desperdício e promovendo a segurança alimentar. Já o Ceará Sem Fome mobiliza diferentes setores da sociedade para criar uma rede de combate à fome, com foco na distribuição de refeições e cestas básicas, além de ações estruturantes que garantam acesso permanente à alimentação de qualidade.
Essas iniciativas apontam para um Ceará onde fome e desperdício podem ser superados por soluções inovadoras e inspiradoras, que servem de exemplo para o Brasil.
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