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O doce do Ceará e as confeitarias de Fortaleza
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Antropóloga, pesquisadora de culturas alimentares, doutoranda UFBA e Coordenadora de Cultura Alimentar e Pesquisa da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco

Vanessa Moreira gastronomia

O doce do Ceará e as confeitarias de Fortaleza

Tipo Opinião
Engenho Tradição e a feitura da rapadura em Viçosa do Ceará (Foto: Jamille Queiroz )
Foto: Jamille Queiroz Engenho Tradição e a feitura da rapadura em Viçosa do Ceará

Quem é do Ceará sabe bem o que é e o gosto que tem uma garapa. Práticas que revelam uma predisposição para a construção de um paladar açucarado, estreitamente ligado à rapadura. Em muitas situações, um copo de água com açúcar acalmava, água com rapadura auxiliava mulheres na amamentação, mel com ervas curava, e café ou suco eram adoçados generosamente para agradar ao gosto.

Ainda é assim em muitas famílias espalhadas pela serra, sertão e litoral. Esses hábitos refletem o papel central do açúcar na cultura alimentar brasileira, profundamente enraizado pela história dos engenhos coloniais e essencial na formação do paladar cearense.

A cultura da cana-de-açúcar influenciou não apenas a economia, mas também a identidade gastronômica do Ceará. A influência portuguesa, com suas técnicas de conserva e preparo de doces, misturou-se aos sofisticados saberes indígenas, que utilizavam frutos e mandioca, e às ricas contribuições africanas, com o milho e as papas, moldando a doçaria cearense.

Doces como cocada, doce de caju e de jaca, bolo mole, bolo de macaxeira, pamonha, canjica e mungunzá doce são marcas de uma cozinha criativa comandada por mulheres que não queriam apenas saciar a fome, mas também criar prazer à mesa.

Essa tradição tão rica, entretanto, vem se dissolvendo em memórias. Doces tradicionais como a chegadinha, o quebra-queixo e os tijolinhos de coco e goiaba tornaram-se raridades. Frutos nativos, como umbu, mangaba e murici, já não têm o destaque que merecem nas mesas.

Enquanto isso, pelas ruas de Fortaleza, cresce o número de confeitarias modernas. Inspiradas pela pâtisserie francesa, essas lojas oferecem doces visualmente atraentes, mas baseados em ingredientes como leite em pó, creme de avelã, pistache e morango - insumos muitas vezes importados e distantes da realidade local. Essa tendência contribui para a invisibilização dos sabores genuínos do Ceará.

Enquanto os doces regionais são relegados a souvenires em pontos turísticos, muitas padarias de bairro ainda resistem, oferecendo bolos como a maria maluca e a bruaca, que guardam sabor de infância.

Fortaleza, com sua riqueza cultural e turística, tem o potencial de ser também uma vitrine da doçaria cearense. Seria inspirador ver espaços que combinassem toques de rapadura e melaço ao lado de éclairs e croissants, materializando a importância de unir inovação à tradição - com açúcar, já que ele nunca foi problema por aqui.

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