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Governo perde tempo com batalhas inúteis
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Jornalista e comentarista da área política, Vera Magalhães tem passagem por veículos como a Folha de S. Paulo, Veja e o Estado de São Paulo. Atualmente, é âncora do programa Roda Viva, além de colunista do O OPOVO, O Globo e da rádio CBN.

Governo perde tempo com batalhas inúteis

A bateção de cabeça política, a insistência do governo em confrontar o Congresso e a visão de mundo ao mesmo tempo intervencionista e pouco comprometida com a austeridade fiscal de Lula em nada ajudam
Tipo Análise
Congresso Nacional (Foto: Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados | Edição: Camila Pontes)
Foto: Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados | Edição: Camila Pontes Congresso Nacional

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Enquanto o discurso de Lula diz que ele e os ministros devem buscar a concórdia com o Congresso e intensificar ações para impulsionar o crescimento da economia, a realização das promessas de campanha e, portanto, a popularidade do governo, a prática muitas vezes não condiz com essas diretrizes.

No mesmo dia de uma intensa negociação empreendida pelo Planalto para adiar novamente a sessão do Congresso que analisaria uma série de vetos presidenciais, e forçosamente imporia uma derrota de alguma monta ao governo, o Executivo ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação questionando a constitucionalidade da prorrogação da desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e de pequenos e médios municípios.

Não é nova a alegação da Advocacia Geral da União (AGU), nem desprovida de argumentos dos pontos de vista jurídico e financeiro. A questão aqui é política: trata-se da questão que mais lances rendeu na queda de braço entre Executivo e Legislativo.

Antes de resolver judicializar a questão, o que já estava no radar desde que o Congresso derrubou o veto de Lula à prorrogação da desoneração, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ficou até o fim de 2023 dizendo que tentaria outra solução.

A escolhida foi editar uma Medida Provisória, já na virada do ano, trucando o Parlamento e, de quebra, incluindo outros três assuntos sobre os quais deputados e senadores já haviam se manifestado. O resultado foi o previsível diante dessa opção: o Congresso reafirmar as decisões já tomadas e reiteradas nas derrubadas de vetos - e a permanência do impasse.

Ir ao Supremo depois de tantos rounds passa que sinal no momento em que Lula procura Arthur Lira e Rodrigo Pacheco para tentar retomar o protagonismo da agenda econômica? O pior possível: em caso de derrota, o governo acionará o Judiciário como Poder para desempatar a contenda.

O que coloca outro problema na equação: como fica a situação do STF, que acumula uma lista grande de contenciosos próprios com o Legislativo e uma campanha de descredibilização por parte da extrema direita bolsonarista - com conexões internacionais nas últimas semanas -, chamado a arbitrar um contencioso a mais? Certamente não é o que a Corte deseja neste momento.

Integrantes do governo argumentarão que esse é um caso inequívoco de impasse constitucional, situação em que o STF precisa mesmo ter a última palavra. Verdade, mas os muitos lances de vaivém político com as duas Casas fizeram com que a questão atingisse outro patamar, e o inconformismo do Congresso com o que considera um método do governo para driblar sua falta de maioria é grande - e um impeditivo para a tão sonhada retomada de uma boa articulação política.

Outro exemplo de tempo perdido com uma crise desnecessária é a novela da Petrobras, tanto no capítulo da distribuição de dividendos extraordinários, que minou o valor da empresa por mais de um mês para terminar no desfecho previsto antes da interferência do governo, quanto naquele concernente à fritura do presidente, Jean Paul Prates, que sangrou, sangrou e acabou ficando.

Para que tanto barulho por absolutamente nada? O que o adiamento de distribuição de dividendos que só podem se destinar a esse fim, e nunca a investimentos ou outras destinações que o governo poderia ter em mente, diz a respeito da governança de uma empresa de economia mista?

A economia é complexa, sujeita ao impacto de um cenário externo incerto, e, depois de um primeiro ano bom, a desconfiança com a política econômica e fiscal está em alta. A bateção de cabeça política, a insistência do governo em confrontar o Congresso e a visão de mundo ao mesmo tempo intervencionista e pouco comprometida com a austeridade fiscal de Lula em nada ajudam a dissipar esse pé atrás. O governo anda em círculos e atrapalha os próprios objetivos.

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