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Tristeza amorosa
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Zenilce Vieira Bruno é psicoterapeuta de adolescente, adulto e casal, especialista em educação sexual e membro da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana. Escritora, é autora dos livros

Zenilce Bruno comportamento

Tristeza amorosa

É grande, hoje, a evitação do envolvimento amoroso, o descompromisso com a emoção e com a pessoa e, em troca, elegem-se experiências passageiras, nenhuma verticalização do sentimento. Mas é grande também a insatisfação, filha do vazio que resulta do não encontro
Tipo Análise

Resolvi escrever sobre um dos temas mais solicitados e comentados dos leitores. Procurando, é claro, deixar sempre um espaço em aberto para o preenchimento poético do leitor. Um artigo vale mais pelas questões que suscita. Assim sendo, o mérito não está na saturação das respostas e sim na pertinência das indagações. O mais saboroso é o mistério das entrelinhas que as palavras não conseguem dizer, mas insinuam.

Tenho questionado o que há de encontro e de sexualidade em toda essa forma que prolifera, de erotismo industrializado que vai assumindo cada vez mais a fugacidade da relação. Estamos na época do "voyeurismo" típico dos tempos de Madonna, da "pegação" dos strippers e dos extrassexuais, que ofertam e buscam libidinagem sem sexo, da "ficada" fortuita com alguém numa noitada, tudo encaminhando experiências em forma de relações objeto, destituídas do relacional com o outro como sujeito. Nesse modelo, nem importa saber o nome de quem se toca, afaga ou beija e quantos corpos se tocam numa mesma noite.

A identidade se perde nesse identificador de personagens e cede lugar ao uso do corpo para meras sensações. Até mesmo uma "androginia de visuais" confunde as pessoas nessas orgias em que nem se sabe se é atraído pelo masculino ou pelo feminino. Tudo levando a crer que a "livre expressão libidinal" industrializada e lucrativa supõe um corpo objeto, um consumo de imagens e sensações, não emoções partilhadas no relacional. Essa simulação, essa caricatura, promove formas de sexualidade, não relações. Isso interessa ao sistema que aplaude a superficialização dos cidadãos. Ciro Marcondes, acha que é nessa aparência de sexualizar que se dá a dessexualização, pela redução do sexo ao mecânico, ao automático, repetitivo e vazio.

Assistimos a uma espécie de diminuição das relações apaixonadas, e até mesmo o desenvolvimento do medo da experiência mais profunda, da emoção inevitável, do doer de paixão. É grande, hoje, a evitação do envolvimento amoroso, o descompromisso com a emoção e com a pessoa e, em troca, elegem-se experiências passageiras, nenhuma verticalização do sentimento. Mas é grande também a insatisfação, filha do vazio que resulta do não encontro. Vivemos, assim, uma tristeza amorosa. Saímos da era dos impedimentos para uma era da produção de liberdades que nega a paixão, o utópico, o metafórico, o extasiante, a dimensão onírica da pessoa.

O tema evidencia que a paixão carece de obstáculos a serem superados e que os apaixonados os enfrentam numa arrojada dinâmica do impossível. O mito de Eros defende que o amor não pode crescer sem paixão. Diante disso, questiono: que obstáculos têm hoje os amantes a enfrentar, considerando-se que toda libidinagem está posta à mesa, ao consumo e ao lucro de investidores e consumidores modernos? São frágeis os limites postos pela família e sociedade para consumos libidinosos. Uma filosofia da "facilidade" erradica os impedimentos. Mas é curioso observar que vivemos intensamente enquanto temos razões para lutar. Se não há mais barreiras contra as quais se opor, vive-se superficialmente.

"Como é que vou crescer sem ter com quem me rebelar?", cantava o grupo Ultraje a Rigor.

 

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