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Larissa Duarte: "Ainda não consegui entrar só num elevador com um homem"
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Larissa Duarte: "Ainda não consegui entrar só num elevador com um homem"

Jovem utiliza o caso de importunação sexual que sofreu para cobrar justiça a crimes cometidos contra outras mulheres
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FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL,05.04.2024: Aguanambi com Larissa Duarte, nutricionista vítima de assédio (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL,05.04.2024: Aguanambi com Larissa Duarte, nutricionista vítima de assédio

Larissa Duarte, nutricionista de 25 anos, teve um dia normal no local de trabalho marcado por um crime de importunação sexual. O vídeo da câmera de segurança do elevador no qual um homem apalpa as partes íntimas da jovem sem consentimento viralizou. O caso tomou proporções nunca imaginadas por Larissa, que ainda lida com a ansiedade deixada pelo momento de violação.

Mesmo com o trauma da experiência, a nutricionista aproveitou a repercussão do vídeo para vir a público cobrar repercussões legais ao acusado, o empresário Israel Bandeira Leal Neto, 41. Além disso, Larissa procurou chamar atenção para uma realidade já bem conhecida pelas mulheres: casos de importunação que não chegam nem mesmo a ser denunciados e violadores que jamais são punidos.

“Foi um caso que aconteceu comigo, mas eu vejo que não é uma justiça só minha, e sim de todas as mulheres que são obrigadas a passar por essa situação e que não tiveram respostas”, diz Larissa ao O POVO. (Com Alexia Vieira)

O POVO - Há um entendimento que muitas mulheres, qualquer uma de nós, já passou por alguma situação de assédio ou importunação como essa que você passou no elevador. Com você também não foi a primeira vez?

Larissa Duarte - Eu sempre falo que ser mulher realmente é uma luta diária. Quem nunca passou por uma situação constrangedora, uma situação de importunação sexual em transporte público, em ruas? No elevador em si foi a primeira vez, é tanto que eu nem esperava, porque, enfim, era um prédio comercial, um espaço público. Eu não esperava naquele momento, mas não foi a primeira vez que eu já passei por uma situação como essa.

OP - Muitas de nós não consegue denunciar, por medo ou até dificuldade de provar, porque a palavra da mulher é muito descredibilizada. O que você fez para levar essa denúncia para frente?

Larissa - Quando aconteceu a situação, eu percebi que não tinha sido a primeira vez. A forma que ele agiu, a forma natural com que ele fez... eu vi que eu não tinha sido nem a primeira e nem ia ser a última (vítima dele). Então, naquele momento eu quis fazer a minha parte mesmo de dar queixa, ir na delegacia, fazer um boletim de ocorrência, para que, de alguma forma, eu pudesse fazer alguma coisa para que isso não aconteça novamente, pelo menos com essa mesma pessoa.

Eu quis dar queixa porque eu quis dar um basta nisso. A gente tem que aguentar tanta coisa calada, por que não dar queixa, pedir ajuda a alguém? Eu tinha ali a prova das câmeras, era uma prova já muito forte. E muitas vezes a mulher fica insegura para denunciar porque não tem prova, não tem nenhuma prova ali que leve à delegacia. Mas hoje se você tiver duas testemunhas é importante ir na delegacia e relatar. Pelo menos com essas duas testemunhas, mesmo que você não tenha a filmagem de câmeras como eu tive.

OP - Você destacou que essa foi a primeira vez em um elevador. Teve outros casos que você já passou em relação a assédio que você também denunciou?

Larissa - Não, não teve nenhum outro caso que eu denunciei, mas já teve outras situações que eu já passei em transporte público, homens nas ruas, mas nunca realmente tinha chegado a denunciar. Essa foi a primeira vez e que bom que eu denunciei.

OP - Com a repercussão no caso, até de outras denúncias de mulheres em relação a esse mesmo acusado, como é que está o desenvolvimento no caso na Justiça agora?

Larissa - Ainda está em trâmite. Os meus advogados entraram com a ação criminal. Eles pediram a prisão preventiva, a delegada e o Ministério Público também, mas agora está no processo judicial. A gente espera que seja da forma mais rápida possível, que solucione o caso. Não só meu caso, mas todos os casos que acontecem, porque essa lentidão da Justiça é algo que desestimula muito a mulher a denunciar. Hoje está em trâmite e a gente está aguardando o Poder Judiciário fazer alguma coisa. Foi um caso que aconteceu comigo, mas eu vejo que não é uma justiça só minha, e sim de todas as mulheres que são obrigadas a passar por essa situação e que não tiveram respostas. E também para mostrar para outros homens que se quiserem vir fazer um caso de importunação sexual, que eles vejam que a Justiça, sim, pode ser feita contra eles. Acho que é um exemplo para a sociedade mesmo.

OP - Como é que você se sente nesse cenário desse trâmite da Justiça? Qual é o seu sentimento agora com essa questão da lentidão?

Larissa - É um sentimento de tristeza mesmo por ter que demorar tanto para a lei ser cumprida. Nós temos leis, mas infelizmente são leis que não são seguidas, não são cumpridas. É muito triste, realmente desmotiva outras mulheres a fazer a denúncia e a realmente querer justiça, porque muitas vezes a justiça não é feita. Infelizmente, a gente vive num país que falta mais isso, das leis serem cumpridas, das autoridades fazerem alguma coisa. Eu fico triste por uma situação dessa demorar tanto. O caso repercutiu nacionalmente. Teoricamente era para ser um caso que tivesse um final mais rápido, digamos assim. Mas, mesmo assim, ainda é um processo lento.

OP - Você destacou que foi um caso que teve essa repercussão nacional, principalmente nas redes sociais. Você sofreu algum tipo de ataque na internet? Como é que foi sua relação nesse espaço diante desse caso?

Larissa - Eu recebi muitas mensagens de apoio de muitas mulheres. Em relação a esse caso, eu realmente peguei para tentar dar voz a muitas mulheres que passam por isso, então eu tive coragem de me expor, de falar sobre o assunto e eu recebi mais mensagens positivas, graças a Deus. Eu também recebi algumas mensagens negativas vindas das próprias mulheres: "Ah, ela tá exagerando" ou "já tá querendo mídia", "já tá querendo aparecer". Mas eu recebi tantas mensagens positivas que eu não me importei com essas mensagens dessas pessoas. Eu fico até triste porque às vezes são mensagens de mulheres. Quem mais deveria dar apoio às vezes menospreza outra mulher. Eu recebi muitas mensagens positivas e isso foi o que importou para eu ter força e seguir mesmo.

OP - Como foram essas mensagens positivas que você recebeu? Teve algum episódio de você conversar com outras pessoas? Essa rede de apoio foi criada através das redes sociais?

Larissa - Sim, eu recebi muitas mensagens, muitos relatos de mulheres que passaram por situações parecidas ou piores, que não tiveram coragem de denunciar ou que até ocorreu num ambiente de trabalho, que no caso já é assédio, né? Mas que não fizeram nada para cessar esse acontecimento. Eu tive trocas com algumas mulheres que passaram por situações e que elas até viram em mim uma questão de representatividade. Eu fico feliz por poder representar todas as mulheres que infelizmente são obrigadas a passar por essa questão.

OP - E como é que você vem lidando com os efeitos desse caso?

Larissa - No dia que aconteceu a importunação sexual, eu fiquei muito triste, fiquei revoltada por ter passado por aquela situação. Passei alguns dias ruim, mas fui atrás dos meus direitos, fui atrás de denunciar. Esse caso aconteceu dia 15 de fevereiro e o vídeo veio à tona no dia 18 de março, então foi mais de um mês. Eu não estava esperando por nada disso, e acaba que a gente revive todo aquele momento. Acaba que eu tenho que falar sobre o assunto, eu tenho que ver o vídeo. Na primeira semana fiquei bem ruim, fiquei tentando entender toda a situação, mas hoje eu acho que eu tô seguindo (a vida). A vida continua, eu tenho que trabalhar, tenho que seguir minha vida, mas hoje eu quero lutar por esse direito das mulheres de poder estar em qualquer lugar, em qualquer ambiente, em qualquer horário, com qualquer roupa e não ter que passar por uma situação como essa. Hoje eu falo para poder dar voz a tantas mulheres que infelizmente às vezes não são escutadas por aí.

OP - Até puxando essa parte que você falou de dar voz e lutar pelo direito das mulheres, como é que tá essa parte, você vem tentando trabalhar isso atualmente?

Larissa - Eu quero realmente ir para essa parte de empoderamento feminino, de ajudar mulheres que passam por essa situação. Estou procurando projetos, ações, para poder ajudar essas mulheres.

OP - Voltando para essa parte do acusado. Sobre a tese da defesa dele, que foi justificada que ele fez isso por conta que ele confundiu você com uma pessoa que ele já tinha com relação de intimidade. Como é que você responde a isso?

Larissa - No vídeo tá bem claro que não tinha nenhuma relação de intimidade. Eu cheguei no elevador já querendo estar invisível. Nós, mulheres, somos criadas desde pequenas para tentar não chamar atenção de outro homem, digamos assim. A partir do momento que eu entrei no elevador, estava no meu canto, estava de cabeça baixa. Tava bem claro que foi uma desculpa mesmo, e acho que não existe nenhuma desculpa, nenhuma explicação para o que ele fez. Está bem nítido que a gente não tinha nenhuma relação, é tanto que não teve nenhum cumprimento, não teve um oi, não teve um tchau. Está bem claro no vídeo.

OP - Como reagiu a sua rede de apoio familiar, de amigos?

Larissa - Eu tive uma rede de apoio maravilhosa. Meu noivo foi quem me apoiou 100%, meus amigos. No dia que aconteceu eu acabei divulgando nos meus Melhores Amigos, do Instagram Função de lista selecionada de seguidores do Instagram com acesso a conteúdos privados . E eram pessoas que eu queria desabafar mesmo, meus “Melhores Amigos” ali são pessoas próximas a mim. Todo mundo ficou revoltado, todo mundo tentou encontrar quem era, tanto que antes da Polícia saber quem era eles já foram atrás de informações de qual era o nome, onde morava. Minha família me apoiou 100%. Eu sempre costumo dizer que é muito importante essa rede de apoio de pessoas próximas. Eu tive 100% essa rede de apoio.

OP - Caso você sinta à vontade para falar, queria voltar a essa questão dos efeitos que esse caso trouxe para sua vida. Esse caso se passou dentro de um elevador, um local onde as pessoas passam diariamente. Teve algum impacto no seu dia a dia?

Larissa - Sim, infelizmente teve. Eu sempre costumo ter cuidado, a gente nunca sabe o que pode vir a acontecer com a gente. Mas eu sempre tenho cuidado ao sair nas ruas. E eu estava no meu ambiente de trabalho, eu estava ali trabalhando, num dia qualquer, um dia normal. E teve relação porque eu tive que mudar de endereço. Eu ainda não consegui entrar em um elevador sozinha junto com outro homem. Um dia eu estava pagando uma conta no restaurante e tinha um homem atrás de mim. Pelo fato de eu estar de costas, que tudo que aconteceu eu estava de costas, eu até pedi para ele passar na minha frente. É algo que afeta até mesmo sem você perceber o seu dia a dia. Mas hoje tô trabalhando, tô indo atrás de ajuda mesmo, de terapia para lidar e seguir com essa situação.

OP - Após mais de um mês desse caso, quais são os seus próximos passos diante desse episódio, na vida da sua vida pessoal?

Larissa - Atualmente, os próximos passos realmente é trabalhar. Às vezes a mulher só quer um apoio, então futuramente eu pretendo fazer algumas ações, alguns projetos e trabalhar na minha profissão mesmo que é a nutrição.

OP - Você quer deixar alguma mensagem final?

Larissa - O que eu tenho a dizer é que as mulheres sejam fortes, sejam corajosas. Não se calem diante de uma situação dessa. Pense que você pode também estar salvando a vida de outra mulher. Vamos atrás dos nossos direitos e vamos cobrar as autoridades, ao povo que a gente tem que cobrar, para realmente essas leis serem cumpridas. E que todas as mulheres apoiem outras mulheres também.

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