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Geyze Diniz: Inconformismo sobre a fome transformado em ação
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Geyze Diniz: Inconformismo sobre a fome transformado em ação

Há dois anos dedicando grande parte do seu tempo ao Pacto Contra Fome, a economista, que é cocriadora do projeto, contou sobre sua atuação em causas sociais e seus projetos ao caderno RIS Ceará, produzido pela Fundação Demócrito Rocha (FDR).
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Geyze Diniz, empresária (Foto: nellie solitrenick)
Foto: nellie solitrenick Geyze Diniz, empresária

Co-criadora do Pacto Contra a Fome, Geyze Diniz, formada em Economia, traz na bagagem profissional multifunções que vão desde compras até planejamento estratégico. Trabalhou durante oito anos no Grupo Pão de Açúcar e depois foi conselheira pelo mesmo tempo na empresa.

Atualmente, ela ocupa cargo no conselho da Península Península Participações é a empresa de investimentos da Família Abilio Diniz e do Instituto Península Organização social que atua nas áreas de Educação e Esporte , faz parte do conselho do Instituto Verdescola Organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que foi fundada em setembro de 2005 na cidade de São Paulo e do conselho social da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), e atua como vice-presidente do conselho do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp). Em 2018, junto ao Abílio dos Santos Diniz Abílio dos Santos Diniz, administrador e empresário brasileiro, com que foi casada por quase 20 anos. Ele faleceu em fevereiro deste ano fundou o Plenae plataforma de conteúdo sobre qualidade de vida, criada pelos empresários Geyze e Abilio Diniz , uma plataforma de bem-estar e longevidade.

Ela é mãe da Rafaela e do Miguel e foi casada por 19 anos com o empresário Abílio Diniz até sua partida esse ano.

Geyze Diniz é co-fundadora e presidente do Conselho do Pacto Contra a Fome(Foto: Fabio Nunes/ Divulgação Pacto Contra a Fome)
Foto: Fabio Nunes/ Divulgação Pacto Contra a Fome Geyze Diniz é co-fundadora e presidente do Conselho do Pacto Contra a Fome

O POVO - Como despertou sua vontade de trabalhar com causas sociais?

Geyze Diniz - Durante a pandemia da Covid-19 pensei no imenso problema que iríamos enfrentar com o fechamento das escolas e muitas crianças dependendo da merenda como a principal refeição.

Passei a me envolver muito no trabalho de assistência social e ajudei a cocriar o

, arrecadamos recursos e distribuímos 900 mil cestas básicas em São Paulo.

Em 2021, ainda com uma imensa necessidade de doações, participei da criação da campanha nacional "Panela Cheia Salva" e arrecadamos o suficiente para distribuir cerca de 4 milhões de cestas básicas.

Após essa vivência, entendi que quando somamos esforços, o impacto é muito maior, e quis me aprofundar e estudar ainda mais.

Solicitei à Consultoria Integration um estudo sobre a fome no Brasil, o desperdício de alimentos e suas correlações. A análise mostrou que, em 2022, cerca de 33 milhões de brasileiros estavam em situação de fome, o nível mais grave de insegurança alimentar.

Além disso, foram desperdiçadas cerca de 55 milhões de toneladas de alimentos, desde a produção até a mesa do consumidor. Isso equivale a 8x o que seria suficiente para alimentar essa população com fome. Isto me gerou um inconformismo enorme.

Geyze Diniz é cofundadora e presidente do Conselho do Pacto Contra a Fome, que atua no combate à fome e a redução do desperdício de alimentos(Foto: Paulo Freitas/Divulgação)
Foto: Paulo Freitas/Divulgação Geyze Diniz é cofundadora e presidente do Conselho do Pacto Contra a Fome, que atua no combate à fome e a redução do desperdício de alimentos

O POVO - Como surgiu a ideia de criar o Pacto Contra Fome?
Geyze - Em setembro de 2021 me reuni com um grupo de 40 pessoas inconformadas com a situação e cocriamos o Pacto Contra a Fome.

Este projeto nasceu da inquietude de querer entender o tema da fome, do inconformismo de ter tantas pessoas sem ter o que comer em um país que é um dos maiores produtores e exportadores agrícolas do mundo, e da incoerência de termos tantos alimentos não aproveitados e jogados no lixo.

Devemos reconhecer que esse é um desafio coletivo que requer a colaboração de diversos atores.

Nosso lema é não “reinventar a roda”. Reconhecemos que já existe conhecimento, pesquisas e pessoas atuantes na causa, mas temos que agir de forma sincronizada, coordenada para que as ações sejam estruturantes e permanentes.

O POVO - De que forma o Pacto contra a fome atua?

Geyze - Este é um trabalho desafiador que depende de ações coordenadas entre toda a sociedade e os setores. O Pacto Contra a Fome deseja ser esse espaço de diálogo sobre os caminhos e de visibilidade das soluções.

Políticas públicas bem desenhadas e implementadas nos três níveis da federação e com os três poderes. Cidadãos, sociedade civil e movimentos de base participando ativamente da resolução do problema e de forma conectada.

A fome deve ser uma pauta para todas as pessoas. Empresas e o mercado financeiro, com especial destaque à cadeia de alimentos, atuando com responsabilidade pelo direito humano à alimentação adequada e sustentável.

Fomentamos e desenvolvemos modelos de produção, distribuição e acesso aos alimentos mais saudáveis e sustentáveis. Temos evidências, dados e conhecimento sobre o problema e as reais necessidades da população, apoiando as políticas públicas e a atuação da sociedade civil.

Estamos atuando em parceria com diferentes atores da sociedade, em três pilares distintos: Inteligência; Articulação e Incentivos

O POVO - Como analisa as questões da desigualdade no País, fome e insegurança alimentar?

Geyze - Somos a 12ª economia mais rica do mundo, e ao mesmo tempo, estamos entre os países mais desiguais, perdendo apenas para seis países do continente africano. Temos 30% da nossa população em situação de pobreza.

Somos o 3º maior produtor de frutas do mundo, mas, ao mesmo tempo, 33 milhões de pessoas passam fome no Brasil, e 125 milhões, o que equivale a 6 em cada 10 brasileiros, possuem algum tipo de insegurança alimentar. Somos o país da incoerência.

É impossível falar de fome sem falar de desigualdade social. O Pacto Contra a Fome parte de uma perspectiva baseada em dados e evidências para atingir um objetivo: erradicar a fome de forma estrutural e permanente.

Temos nos dedicado a entender as causas raízes da fome no Brasil, e as evidências científicas e a visão de especialistas são unânimes em afirmar: a desigualdade social é uma das principais causas da fome no Brasil.

O POVO - Sabemos que nas regiões Norte e Nordeste esse problema é ainda maior. O Pacto Contra a Fome escolheu o Ceará para iniciar o movimento no Nordeste. De que forma isso irá acontecer?

Geyze - A fome está presente em todos os estados brasileiros, mas 56% das pessoas em situação de insegurança alimentar grave estão concentradas em apenas seis deles. O Ceará é um desses estados e é nele que iniciamos um piloto.

Quando olhamos para a realidade do território, 26,3% de sua população está em situação de insegurança alimentar grave - a fome, e apenas 18,2% vivem em situação de segurança alimentar - segundo dados da  Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) de 2022. Além disso, 15,1% da população está em situação de extrema pobreza e 46,8% em situação de pobreza.

Diante disso, o projeto tem como visão tornar o Ceará o primeiro estado a zerar a fome no Brasil por meio de uma articulação multissetorial que visa fortalecer iniciativas e políticas públicas de combate à fome dentro do território cearense, envolvendo todos os atores no estado: setor público, privado e organizações da sociedade civil.

Neste momento, estamos em um processo de consolidação de prioridades estratégicas e em constante busca de parceiros comprometidos com a transformação

O POVO - Como vê o papel dos filantropos, family offices, institutos e fundações na erradicação da fome e outros problemas socioambientais?

Geyze - O papel desses atores é significativo e desempenha uma função importante no cenário global. Essas entidades têm recursos financeiros consideráveis, conhecimentos especializados e capacidade de mobilização para enfrentar desafios sociais e ambientais de grande escala.

Existem algumas maneiras pelas quais eles podem contribuir, como o financiamento de iniciativas, projetos e programas destinados a combater a fome, promover a segurança alimentar e abordar problemas socioambientais.

Financiamento de inovação e pesquisa podem impulsionar o desenvolvimento de soluções eficazes. Advocacy e sensibilização, além do financiamento direto, filantropos e fundações têm a capacidade de sensibilizar e advogar por questões sociais.

Podem influenciar políticas públicas, envolver a comunidade e conscientizar sobre a importância da erradicação da fome. Nas parcerias estratégicas podem colaborar com governos, organizações não governamentais e empresas é fundamental.

Essas parcerias podem aumentar a eficácia das iniciativas, permitindo a combinação de recursos e expertise para abordar problemas complexos de maneira mais abrangente. E por último, a mensuração para entender o impacto real dessas ações.

Isso é fundamental para garantir que os recursos sejam alocados de maneira eficaz, e, possibilita o aprendizado com as experiências passadas para melhorar futuras intervenções.

No entanto, é importante observar que o papel dessas entidades não substitui o papel fundamental dos governos na formulação e implementação de políticas abrangentes.

A colaboração entre setores, incluindo o público, o privado e o terceiro setor, é essencial para enfrentar desafios complexos e alcançar resultados permanentes.

Falando agora especificamente no combate à fome, um passo importante é entender que essa é uma causa urgente, e hoje, esse é um problema que muitos ainda não enxergam.

É preciso de engajamento coletivo, só conseguiremos acabar com a fome se a população entender que essa é uma responsabilidade de todos.

O POVO - Como empresários e famílias de alta renda podem impactar positivamente a vida de quem realmente necessita?

Geyze - Algumas formas são as doações responsáveis para contribuir financeiramente para organizações de caridade e projetos sociais que estejam alinhados com causas sociais relevantes é uma maneira direta de fazer a diferença. Mas, é preciso escolher organizações transparentes e eficientes na aplicação dos recursos.

Tem o engajamento ativo, que além de doações, o envolvimento ativo em projetos sociais pode ser muito eficaz. Empresários e famílias podem dedicar tempo e habilidades diretamente para ajudar na implementação de programas, trazendo experiência e conhecimento para impulsionar iniciativas.

Parcerias estratégicas para colaborar com outras empresas, ONGs, e agências governamentais pode amplificar o impacto. Estabelecer parcerias estratégicas cria sinergias, aproveitando recursos e conhecimentos diversificados para abordar desafios sociais de maneira mais abrangente.

Já pela inovação social é possível apoiar e investir em iniciativas inovadoras que abordam desafios sociais de maneira criativa pode ter um impacto duradouro e transformador.

Usar a influência e visibilidade para advogar por mudanças sociais e políticas é também uma maneira poderosa de impactar sistemas mais amplos e criar um ambiente mais justo para todos.

É importante que empresários e famílias de alta renda abordem essas ações com um compromisso genuíno e sustentado, garantindo que o impacto positivo seja duradouro e significativo.

Perfil
Geyze Diniz é conselheira da Península Participações, empresa de investimentos da família Abilio Diniz, e do Instituto Península.

Faz parte do Conselho do Instituto Verdescola, do Conselho Social da FIESP, e atua como vice-presidente do Conselho do MASP.

Formada em Economia pela Universidade Mackenzie e com MBA pela FGV, trabalhou no Grupo Pão de Açúcar (1996 – 2013) como diretora de Planejamento Estratégico e Conselheira de Administração, resultando na criação da marca Taeq.

Em 2018, junto ao Abilio de Diniz, fundou o Plenae, plataforma sobre bem-estar. Geyze é também cofundadora e presidente do Conselho do Pacto Contra a Fome, que atua no combate à fome e a redução do desperdício de alimentos.

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