Com a experiência de quem passou 33 anos na Polícia Militar do Ceará, o coronel da Reserva Remunerada Rodrigo Wilson comenta a troca de comando na Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). Na última segunda-feira, 27, o governador Elmano de Freitas (PT) anunciou que o tenente-coronel da PM do Rio de Janeiro e delegado federal Roberto Sá substituirá o delegado federal Samuel Elânio. Rodrigo Wilson defende, entre outros, que o novo secretário deverá "remotivar" os agentes de segurança. Confira os melhores momentos da entrevista:
O POVO- Quais são os principais desafios que o novo secretário vai ter à frente da segurança do Estado?
Rodrigo Wilson- O principal desafio e, é claro, o motivo pelo qual o secretário anterior foi substituído é reduzir os índices de criminalidade, principalmente, os homicídios, que têm gerado uma sensação de insegurança muito grande na sociedade cearense. Mas o que eu tenho a destacar, como um segundo ponto, seria reorganizar o sistema de segurança pública do Estado. O que eu tenho a destacar sobre isso — levando em conta a minha experiência, passei 33 anos trabalhando diretamente na questão da segurança pública, sempre estudei, pesquisei — é que eu vejo como grande caminho para atingir isso, independente de qualquer estratégia que o novo secretário venha a implementar, é trabalhar em cima da questão da elevação da autoestima e da melhoria, da valorização dos profissionais de segurança pública.
OP- Como é que poderia ser feito isso?
Rodrigo - Nós temos, já há algum tempo, falhas na questão de liderança, principalmente, na Polícia Militar, que levou os efetivos policiais a esse fator de desmotivação. Então, um ponto que, a meu ver, é importante é voltar a ter cuidados com os profissionais. Hoje, nós temos um grande índice de afastamento de profissionais por problemas de saúde, principalmente, por problemas psicológicos. E a gente não observa, por parte das instituições, cuidado em especial com isso, de identificar por que está ocorrendo essa questão de saúde, o que mais tem afastado os policiais, questão de suicídio, o que está levando isso... E, em cima disso, oferecer ajuda psicossocial. Uma maior facilidade de acesso à saúde, a tratamentos.
Outra situação é apoio jurídico, os policiais que estão na rua não têm apoio jurídico. O que se tem é muito pouco, muito restrito, apesar da própria lei determinar que o Estado desse esse apoio. Mesmo assim, o profissional se vê obrigado a ter que contribuir com as associações para ter direito a um advogado.
A questão da meritocracia, eu observo que há muito as instituições têm falhado nessa questão. É preciso estabelecer critérios objetivos de ascensão, de premiação profissional. Enfim, uma série de fatores que têm que ser identificados e trabalhados para, primeiramente, remotivar os profissionais.
OP - Qual o principal desafio?
Rodrigo - Eu acho muito difícil qualquer estratégia, projeto, plano que seja implementado se não conseguir a total adesão dos profissionais para colocar em prática esse planejamento. Acho que o primeiro grande desafio é reconquistar os profissionais. O que eu tenho visto, recebido de informações é que (os profissionais) estão desmotivados, sem expectativas. Eu vou dar um exemplo: nós temos diversos oficiais superiores, tenentes-coronéis, que solicitaram a aposentadoria, a reserva remunerada de forma muito precoce. São profissionais capacitados, grande maioria deles que conheço, com experiência, que ainda teriam, no mínimo, cinco anos para contribuir com a instituição, mas estão pedindo para sair porque estão sem perspectivas. Isso tem que ser estudado, identificado, por que exatamente está acontecendo isso e trabalhar em cima desses fatores. E, aí, quando você vê oficiais superiores em processo de desmotivação, você imagina como é que tá o efetivo, vamos dizer assim, na escala hierárquica, mais para baixo. Com certeza, o secretário Roberto Sá vai trazer projetos, ele tem uma experiência bem vasta, foi secretário no Rio de Janeiro, no Espírito Santo, tem cursos fora do País. Mas qualquer estratégia, qualquer que seja o secretário, ao meu ver, só vai conseguir sucesso trabalhando dentro disso.
OP- Qual avaliação o senhor faz da gestão do secretário Samuel Elânio?
Rodrigo - Bom, eu vou fazer um comparativo da gestão dele com a gestão, por exemplo, do secretário anterior a ele, o Sandro Caron, que é, atualmente, secretário de segurança pública do Rio Grande do Sul. Eu passei três semestres como secretário de segurança em Caucaia. Passei 2022 e o primeiro semestre de 2023 no cargo. Se você pega as estatísticas da SSPDS desde 2015, foram os três semestres que tiveram as maiores reduções de homicídios. Quando eu assumi, Caucaia estava no noticiário nacional como a cidade mais perigosa do Brasil, com uma taxa de mortalidade de 98,6 por 100 mil habitantes. Ao final de 2022, nós reduzimos em 50%. Isso se deve muito à participação do secretário de segurança do Estado na época. Sandro Caron entendeu que ele precisava ter um entrosamento com diversas entidades: as universidades e, principalmente — que é muito importante, hoje, com os municípios.
OP - Como os municípios podem contribuir?
Rodrigo - Os municípios não podem atuar diretamente na segurança pública. O município não tem Polícia, tem Guarda Municipal, que é responsável pela proteção do patrimônio público. Mas o município pode prestar o apoio da segurança situacional: trabalhar com a iluminação de vias, limpeza de áreas públicas, revitalização de praças, projetos esportivos para tirar crianças e adolescentes das ruas. Isso nós fizemos. Já o Samuel Elânio, ele se trancou. Eu ainda passei um semestre como secretário em Caucaia (durante a gestão Elânio). Vou dar um exemplo: eu tentei várias vezes ter reunião com ele para que trocássemos experiências, para que eu oferecesse todo o apoio do município, no que fosse possível — até porque Caucaia influencia muito nas taxas da Região Metropolitana —, e nunca fui recebido. Eu sou advogado também, tenho muito contato com pessoal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), da Comissão de Segurança da OAB da Região Metropolitana, há tempos que tentava contato com ele, com toda a gestão dele, e ele não recebia. Isso não é bom. Segurança pública, hoje, você não faz só com números, com estatísticas, trancado dentro de uma bolha. Se você não expandir a participação de diversos atores sociais, fica muito difícil. Ele vai viver numa situação que só assessores vão estar levando para ele notícia. Normalmente, as notícias que os assessores levam são só as boas, ninguém quer ser portador das más notícias. Ele fica alheio ao que está acontecendo na ponta da lança, nas ruas.
Precisa também — isso era uma outra falha que havia na gestão dele — uma maior descentralização na tomada de decisões. Os delegados, comandantes de companhias, de batalhões precisam ter mais poder de mando para decidir em tempo real o que é melhor para aquela área em que ele é responsável. Não pode estar ali engessado. As orientações vinham todas de Comando, de Secretaria, tinha essa centralização.