Oficialmente, na segunda-feira, 24, comemora-se o dia de São João em 2024, data referência para as principais festas juninas no país. O fomentador de quadrilhas Antônio Seixas Soares de Oliveira, ou simplesmente Seixas Soares, de 45 anos, é dançarino da festividade há 35 anos e atua como produtor da Ceará Junino há mais de duas décadas. Para ele, a sobrevivência da cultura junina no Ceará sofre grandes desafios de sobrevivência devido à falta de apoio de patrocinadores e da quantidade injusta de recursos disponibilizados pelos editais de cultura.
O POVO - O que garante um mês de junho funcional para as quadrilhas?
Seixas Soares - O que garante é amor à arte. Financeiramente nada. Amor à arte, inclusive correndo todos os riscos de ficar no vermelho. Somente amor à arte.
OP - O que é levado em consideração na hora de escolher um tema para as quadrilhas?
Seixas - Hoje é levada em consideração para a quadrilha Ceará Junino a musicalidade. Aí a gente envolve uma história bacana que possa oferecer musicalidade. Uma musicalidade que possa envolver o público na memória afetiva. Porque tem histórias super interessantes, mas sem musicalidade, não se permite fazer com que o público se torne próximo ao espetáculo. E nós sabemos que a música convida. A música atrai, é convidativa em todos os sentidos: espirituais, folclóricos... e não poderia ser diferente na quadrilha. A música envolve. Então, é uma estratégia que usamos. Uma história bacana, uma história cultural, a música é algo que a gente coloca em primeiro lugar.
OP - Quem compõe um grupo de quadrilha para além do que é visto em quadra? E qual é a importância dessas pessoas?
Seixas - A construção de tudo aquilo visto em quadra é também o sapateiro, o chapeleiro, a mulher que faz a anágua, a qual é a costureira, que faz do corset. Então, para além daquilo que é visto dentro de quadra, todo mundo que constrói mantém a mesma beleza, a mesma importância. É uma junção. É como a história do barracão: as pessoas veem aquela beleza, a luz, as cortinas e as abrem, a luz se acende, mas quem foi que fez aquilo? Em janeiro, fevereiro, abril, maio… os produtores, as costureiras deram vida. Para a gente que compõe a gestão, a produção artística, a gente pesa que ele é tão importante quanto o bailarino.
OP - Qual a importância dos editais para a montagem das festas juninas?
Seixas - É importante, sim, porque afinal é um reconhecimento. A nossa luta é para ser algo justo, que atualmente é um percentual pequeno diante daquilo que é investido e colocado. Mas eu acredito que a gente não pode cair num desmerecimento, não. É importante, é necessário, só que atualmente não é justo.
OP - E o resto do dinheiro para compor as quadrilhas vem de onde?
Seixas - Vem dos próprios brincantes, através de rifas ou apoios de algum vereador. Mas 70% são dos dançarinos. São eles que sustentam essa arte.
OP - É possível modernizar as quadrilhas ao longo do tempo mantendo a tradição?
Seixas - A gente precisa ser criativo e acreditamos que a evolução seja necessária em todas as áreas da nossa vida. Nós precisamos evoluir e, com a arte, não é diferente. Essa evolução é necessária, mas em nenhum momento desprezando a regionalidade. Quando a gente entende a nossa arte cultural, a gente respeita e não podemos apagar isso, temos que fortalecer, a gente tem que potencializar isso. É necessário evoluir em todos os aspectos da nossa vida, mas é importante manter as raízes dos passos juninos, manter a raiz da musicalidade que envolve os instrumentos, que é zabumba, triângulo, sanfona. É necessário manter coreografias com passos regionalizados de anos, que potencializam a nossa cultura. A roupa, por exemplo, pode ter muitos cristais hoje, mas ela pode ser desenvolvida numa temática que envolva. Eu acho necessário evoluir, sem nenhum momento diminuir aquilo que foi deixado, que é raiz.
OP - Você acha que outros gêneros musicais para além do forró são bem vindos nas quadrilhas ou isso pode acabar sufocando a experiência junina como um todo?
Seixas - Eu acredito que a possibilidade existe acompanhada da criatividade e do bom senso, porque nem tudo cabe. O funk não cabe, mesmo respeitando o funk dentro das suas raízes. Mas uma música de MPB, por exemplo, pode ser transformada e pode agregar uma raiz cultural de um sertão, de uma vivência, que poeticamente cabe dentro do espetáculo.
OP - Como garantir que os brincantes de quadrilhas juninas possam ter a sua saúde física e mental preservadas na época das apresentações?
Seixas - No período de seis meses, que é de janeiro a maio, a gente trabalha para que eles entendam desse esforço e desgaste que vai acontecer, pois, de janeiro a maio, só são sábados e domingos. Quando entra junho, passa a envolver sextas-feiras, sábados e domingos, e, no máximo, quintas-feiras. Por quê? Porque eles trabalham. Então, como eles trabalham, o festival, certamente à meia-noite, é um horário em que os brincantes precisam se arrumar. Eles chegam em casa tardiamente e aí tem esse desgaste. A gente prepara para o que vai acontecer, por exercícios físicos, de muita água, de uma boa alimentação. Existe o preparo mental também, de que isso foi uma escolha e essas escolhas precisam ter as suas obrigações, os seus sacrifícios.
OP - Por que é importante que a cultura das festas juninas permeie por tanto tempo e não se esvazie no Brasil?
Seixas - Porque faz parte da nossa raiz, da nossa cultura, da nossa vida. Faz parte do sertanejo, faz parte da esperança, da fé em dias melhores, faz parte da nossa história. E, como faz parte da nossa história, a gente não pode em nenhum momento anular isso e não ver isso como necessário, como importante, independente de toda e qualquer evolução que aconteça. Então, é necessário manter nossa raiz. Tudo e qualquer história de qualquer estado, tudo e qualquer história de qualquer pessoa, é lindo ver a raiz dela implantada dentro da sua vivência. É necessário manter isso vivo porque isso é história.
OP - O que você diria a quem argumenta que as novas gerações não têm mais interesse pela cultura junina?
Seixas - É lamentável essa geração que não tem interesse na cultura popular, porque é algo que caracteriza nossas raízes, quem somos, quem é esse povo, é a nossa história. É lamentável, é uma pena, porque é prazeroso, gostoso, é bom, é uma expressão de vida. Estamos vivos de vida quando dançamos, quando isso vira poesia, quando a gente cresce. Eu acho que é a mesma sensação de uma mulher grávida: ela está grávida e quer dar a vida. Então, quando o menino nasce, a obra nasce, é uma sensação inexplicável. Logo, eu amamentei para essa geração não querer experimentar algo tão prazeroso.
OP - E para você, o que as quadrilhas juninas representam?
Seixas - As quadrilhas juninas têm, na minha vida, uma expressão e representatividade muito forte, elas representam mudança e muita resiliência para mim. É uma expressão de evolução e crescimento, porque eu cresci dentro desse movimento. Boa parte da minha personalidade, do meu caráter, foram construídos dentro desse processo, pois eu sou líder de um grupo há 21 anos e, graças a Deus, muito bem respeitado. Existe uma relação muito intensa entre Ceará Junino e Seixas. Eles cresceram juntos, eles amadureceram juntos, eles se tornaram homens maduros, juntos. É dentro desse propósito.
Multifunções
Há 21 anos na quadrilha Ceará Junino, Seixas Soares trabalha durante o ano inteiro em múltiplas funções que compõem toda a festividade. Além da produção, ele também se dedica à dança, faz coreografias, figurinos, personagem de casamento e outros.