Até 1992, o Brasil não era a potência que é hoje no vôlei. A virada de chave foi nas Olimpíadas de Barcelona. O time masculino tinha nomes históricos, como Tande, Nalbert e Carlão. Mas um em específico seria o responsável direto por mudar a história da modalidade no País.
Nascido em 10 de outubro de 1972, em São Paulo, Marcelo Negrão entrou para a história do voleibol brasileiro ao marcar o ponto que deu o primeiro ouro olímpico da modalidade.
Com um saque potente, que chegou a entrar no Guiness Book, o atleta se destacou e já mostrava, desde muito cedo, que teria uma carreira marcante. A primeira convocação para a seleção brasileira veio aos 17 anos e, de cara, virou titular. A medalha olímpica foi aos 19.
A partir de então, os números e os feitos foram só crescendo. Foi melhor jogador do mundo em 1993 e melhor ponteiro dos Jogos Olímpicos de Barcelona, por exemplo.
Atualmente é treinador e construiu uma forte ligação com o Ceará, comandando o Rede Cuca Vôlei. Agora, Negrão se prepara para outro projeto à beira das quadras, também em Fortaleza. Um novo time, que será revelado no próximo dia 6 de agosto.
O POVO - A sua carreira começou ainda aos 14 anos, no Banespa, sendo tricampeão paulista, brasileiro e sul-americano. Como foi este início?
Marcelo Negrão - Antes de mais nada, o atleta, ou melhor, a pessoa tem que ter definido aquilo que quer, pois o meio do esporte é muito difícil. Você tem que deixar parte de adolescência, como momentos com os amigos, saídas, principalmente data comemorativa, você perde todas. Desde cedo eu queria ser jogador de voleibol, então sabia que perderia todas essas coisas que a vida oferece, mas ia ter que deixar de lado.
Então, comemorações, baladas, festas, reuniões com os amigos, eu estava treinando. Pessoal inventava churrasco, algo do tipo, esquece. Eu tinha que estar treinando. Desde cedo, tem que ser esse foco. Eu tive isso, fui atrás do meu sonho de colocar a camisa da seleção brasileira. Depois de muito treino, dedicação, começando ali no Banespa, vendo os profissionais treinando, fui pela mesma linha. Com 17 anos já estava na seleção e, com 19, campeão olímpico.
OP - Muito cedo...
Negrão - (risos) Eu tinha um foco muito grande, não medi esforço para treinar, era sempre a mais. Eu estava sempre pronto para ajudar. Se precisasse de alguém para ajudar, eu estava lá.
OP - Itália e Brasil são considerados duas potências do voleibol, e você atuou nos dois países. Existe alguma diferença? Questão de investimento...
Negrão - A organização deles (Itália) é fantástica. Eles são como a NBA. Você compra a cadeira e, no dia do jogo, ela vai estar lá. Tem um calendário muito antecipado, então os técnicos podem se preparar em relação a treinamento. São muito a nossa frente, em relação a isso. O patrocinadores são grandes, então eles conseguem ter um time muito caro.
Conseguem contratar os melhores jogadores do mundo, na atualidade. Você vai jogar contra um time, pode ter certeza que vai estar com os melhores do mundo todo jogo. Nunca é um jogo que você pode aliviar, não tem time "mais ou menos", algo que, consequentemente, faz com que melhore seu nível de vôlei.
Os companheiros que estão do seu lado são grandes jogadores. Por isso o jogador brasileiro, quando vai para a Europa, volta melhor, é muito bom e muito importante esse intercâmbio. Além disso, você ganha mais, já que é em euro. Já peguei câmbio a R$ 7, então um ano que você faz lá equivale a sete daqui.
OP - O Brasil é conhecido por ser o país do futebol, mas o público tem um carinho muito grande pelo vôlei. Na sua visão, poderia ter mais visibilidade?
Negrão - O vôlei está em um caminho muito bom. Hoje está bem consolidado no Brasil, é tido como um dos esportes mais visto do País. A única coisa que falta é uma TV aberta, apesar de termos hoje redes sociais, canais do YouTube que são muito seguidos e isso é muito importante, mas ainda tem a grande maioria de brasileiros que não tem condição de ter uma TV fechada, ou ter internet. Então um grande passo seria esse.
OP - Você é paulista, mas o Ceará tem um espaço no coração, afinal, foi onde começou a trajetória como treinador, no Rede Cuca Vôlei. Como foi fazer parte deste projeto?
Negrão - Eu acredito muito na região, eu acredito muito em Fortaleza, no Nordeste. Sempre produziu jogadores bons, seja no masculino ou feminino. É um local que precisa ser melhor explorado, mas precisa da ajuda de todo mundo. Nós não conseguimos fazer um esporte de rendimento sem ajuda do poder público ou privado. Eu creio que vai crescer muito ainda. Fortaleza já se tornou um polo de referência esportiva. Eu fiquei feliz com o convite do Cuca, fiquei dois anos e saí. Mas eu estou com um projeto novo de realizar um novo time de voleibol em Fortaleza.
OP - Algum spoiler?
Negrão - (risos) É um time novo. Iremos convidar toda a imprensa para o lançamento oficial do time, será a partir do mês de agosto, já começaremos a treinar. O conceito é divulgar mais o Nordeste, de ter mais time na região. É uma dificuldade muito grande, porque não temos com quem jogar, então falta parâmetro.
OP - Vamos entrar agora em um assunto que você entende bem: Olímpiadas. Os Jogos de 1992 foram marcantes, e você tinha apenas 19 anos, o que torna tudo mais incrível. Qual era a sensação de estar ali?
Negrão - Então, ter participado da seleção brasileira é um motivo de honra e glória muito grande. O objetivo de todo atleta é participar da Olímpiada, e nós fomos muito com a ideia de vencer. As coisas foram acontecendo. Jogo a jogo, o time foi ganhando confiança, foi crescendo, e aí veio muito último ponto. "Sentei a mão" contra o holandeses, tive a sorte também, enfim.
Foi uma emoção muito grande, comemorada até hoje. O Brasil não esperava e nós também não, éramos todos estreantes. Mas pelo fato de estar lá é uma emoção muito grande, marcante até hoje.
OP - Demorou a cair a ficha de que havia sido o responsável pelo ponto do primeiro título brasileiro?
Negrão - Não cai (a ficha). Principalmente agora, que vai chegando Olímpiada e todo mundo relembra como foi e sabe que o vôlei tem tradição. Sempre mostram aquele ponto, que resume tudo. Foi uma pancada, foi bonito de ver e todos estavam esperando. É emocionante. Confesse que a cada Olimpíada que vai chegando, pessoal vai sempre lembrando... É bacana.
OP - Aquela geração em si era muito boa. Junto a você tinham nomes como Tande, Nalbert, Talmo, Maurício, Carlão... Além do Zé Roberto, como comandante. Tem alguma história daquele elenco que marcou?
Negrão - Sempre tem, lembrar agora é complicado (risos). Mas é emocionante estar na Vila Olímpica. O voleibol é o único esporte que começa a Olimpíada e termina. Então eu e o Maurício ficávamos sentado perto do prédio e vendo os competidores passando com a medalha e se perguntar: "Será que um dia ganharemos?". O pessoal parava, tirava foto com a medalha. Enfim, sonhávamos e conseguimos a nossa também.
OP - O Zé Roberto ficou marcado por uma inovação tática em 1992 e você foi peça central. O Carlão, que era ótimo no bloqueio, caía pelas pontas, e você infiltrava. Na prática, como funcionava?
Negrão - Eu era oposto, atacava sempre pelas pontas e não pelo meio. Isso é normal. Eu tinha essa facilidade de atacar qualquer tipo de bola, e o Zé Roberto achou por bem usar esses momentos eu indo atacar pelo meio para surpreender o adversário. Até hoje, ninguém faz isso. É raro ter um jogador com essa característica.
OP - Você foi eleito o melhor ponteiro daquela Olimpíada. Além disso, um fato curioso é que seu saque, de tão potente, foi parar no Guiness Book. Era algo que sempre buscou aprimorar?
Negrão - É, quando você ganha algo expressivo, as pessoas começam a notar mais coisas. Então eu tive alguns recordes no Guiness como 150 km/h no saque, 74 pontos em uma única partida, enfim.
OP - E hoje, qual sua expectativa para o vôlei masculino do Brasil nos Jogos de Paris? É uma geração que promete grandes coisas para o futuro?
Negrão - Eu acho que está entre sexto (lugar) e ficar em primeiro, na minha opinião. A diferença é um jogo, está tudo muito equilibrado. Nós temos surpresas, como Japão, Polônia, a Itália fez uma renovação e chega bem, os Estados Unidos são sempre uma pedra no sapato do Brasil. É a primeira Olimpíada que eu vejo que o Brasil não sai entre os três favoritos.