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"Não ter mais Silvio Santos é o fim do mundo como eu conheci"
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"Não ter mais Silvio Santos é o fim do mundo como eu conheci"

Larissa Martins, criadora do canal especializado em cultura televisiva "Coisas de TV", discute sobre o legado comunicacional e cultural que Silvio Santos deixou
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Ao lado de Fábio Garcia, Larissa Martins repercute conteúdos televisivos no canal
Foto: Larissa Martins/Acervo Pessoal Ao lado de Fábio Garcia, Larissa Martins repercute conteúdos televisivos no canal "Coisas de TV"

Oito dias após o falecimento de Silvio Santos, sua despedida da vida ainda repercute nos grandes veículos de comunicação e no coração dos brasileiros que se acostumaram com a sua presença aos domingos na TV. Muito além de apenas um apresentador, Senor Abravanel (nome de batismo) fez história no Brasil em relação ao modo de consumir e de produzir entretenimento na televisão. No entanto, a discussão se amplia sobre o presente e o futuro da rede televisiva do Brasil, que perde a cada ano seus grandes ícones e sofre com o esvaziamento da audiência. Sobre este assunto, uma dos criadores do canal “Coisas de TV”, Larissa Martins, destaca os méritos e legados do comunicador e o panorama dos novos apresentadores da TV.

O POVO - Silvio Santos realmente é o maior apresentador da TV Brasileira?

Larissa Martins - Eu acho que sim. Eu estava pensando sobre isso quando a gente fez toda a cobertura. Ele é o maior comunicador não só por tempo de TV, mas pelo talento, pela noção que ele tem de se comunicar com o povo de uma maneira muito clara. O Programa Silvio Santos, por exemplo, é uma programação que assisti com a minha avó, que era alfabeta. E eu e ela conseguimos entender o Silvio Santos da mesma maneira. Eu acho que esse é o grande legado do Silvio Santos, além de divertir, ele também sabia se comunicar, desde a pessoa com um curso superior e super estudada, até a pessoa mais simples, que mal sabia ler e escrever. Eu acho que pouquíssimas pessoas conseguem isso e se manter por tanto tempo relevante, pelo menos na TV, é muito difícil. Não consigo pensar em outra pessoa que tenha conseguido esse tipo de impacto no Brasil.

OP - Qual foi o legado deixado por Silvio Santos?

Larissa - Uma coisa que eu vejo no Silvio Santos é essa história de você conseguir assistir a ele durante a tarde inteira. Eu me lembro muito de ver isso, por exemplo, na casa da minha avó, quando terminava o almoço, a gente colocava no Programa Silvio Santos e ia com ele de tarde até à noite. Eu acho que isso cria uma cultura também de você ficar na frente da TV e assistir programas com a sua família, seja com o seu pai, com a sua avó, com a sua mãe. Então, eu acho que sim, ele criou uma cultura, ele criou um legado importante, especialmente dos domingos na TV. Com o Silvio Santos nasceu esse costume de domingo ser um dia familiar por si só, da gente almoçar na casa da avó e da mãe, mas depois ficar também na frente da TV, assistindo a um programa.

OP - Durante as homenagens ao Silvio Santos, diversos apresentadores como Luciano Hulk e Celso Portiolli afirmaram terem aprendido a “fazer TV” com o empresário. É possível ver traços de Silvio Santos nos comunicadores da geração atual?

O Gugu, que ficou muito tempo com o Silvio, tinha um modo de apresentar que era muito parecido com o Silvio Santos, até por isso o ele via no Gugu uma espécie de sucessor natural. O Celso Portiolli, que também passou muito tempo no SBT. Quando o Celso Portiolli apresentou o Show do Milhão, eu vi ali que ele tinha uma coisa que ele realmente aprendeu com o Silvio, esses modos de se comunicar com as pessoas que iam lá participar, de falar, tentar falar na linguagem delas, falar de uma maneira muito próxima. O Silvio tinha isso, ele não falava como se ele fosse o Silvio Santos, ele falava como se ele fosse uma pessoa que te conhecesse.

O Jô via muito isso também nele, naquela coisa de se falar com um entrevistado muito famoso e um entrevistado que era um anônimo, do mesmo jeito. O próprio Luciano Huck, também vejo isso nele agora também no Domingão, porque ele tem que ser meio que um animador de auditório, como diria o Silvio Santos, e eu acho que não tem como você ser um apresentador que faz programa de auditório sem pensar no Silvio Santos. Eu acho que ele é essa grande pessoa, eu conseguia falar com o auditório, falar com a pessoa em casa, falar com o convidado e fazer disso um grande show, um grande espetáculo.

OP - O Silvio Santos fez parte de uma era de apresentadores que representavam com sua própria imagem os programas televisivos. Ele, Hebe, Jô, Marília Gabriela e tantos outros cativaram o público também por suas personalidades. Você acha que a gente ainda tem essa cultura de "ícones" apresentadores?

Larissa - Eu acho que a última desse time é a Ana Maria Braga. As pessoas não ligam a TV pra ver a pauta do dia do Mais Você e sim para ver a Ana Maria Braga. É uma relação muito próxima que ela tem com o público e que acho que tem se perdido. Eu não imagino uma outra apresentadora dos dias de hoje que abra um programa dizendo que vai se ausentar alguns dias porque tem que tratar um câncer, por exemplo. A Ana Maria tem uma relação com o público muito parecida com a da Hebe, do Jô e do próprio Silvio, eu acho. Até nisso das pessoas serem mais condescendentes com os erros que ela eventualmente comete. É como se ela fosse meio nossa mãe, nossa avó. “Ah, ela falou uma bobagem, mas acontece”. Agora dos novos apresentadores eu não vejo ninguém com essa força. Talvez a Eliana. Ao menos no SBT as pessoas ligavam a TV pra ver a Eliana. Não sei como vai ser isso na Globo, mas ainda assim acho que é uma relação diferente. A Eliana, o Luciano Huck, o próprio Portiolli são ótimos apresentadores mas não sei se o público os enxerga ou um dia vai enxergar eles com a mesma proximidade que se via um Silvio, uma Ana Maria. Como gente da família e tal. Acho que até por estarmos em uma época em que as coisas repercutem muito rápido, essas pessoas se preservam muito mais que os apresentadores do passado. Acho que daqui pra frente vai ser uma relação um pouco diferente, sim. Mais distante, eu acredito.

OP - Assim como a onda de remakes na TV, que tentam recuperar a audiência trazendo sucessos de anos anteriores, você acredita que essa movimentação de resgatar o que deu certo no passado também acontece ou tem acontecido com os programas de TV?

Larissa - Acho que sim. Especialmente nos programas de auditório. Veja que o “Domingão do Huck” ainda usa muitos quadros do antigo “Domingão do Faustão” e tem quadros que ficaram famosos em outros programas, em outras emissoras. Ele tem o "Quem Quer Ser um Milionário" que ficou conhecido aqui no Brasil por causa do Show do Milhão. O próprio Show do Milhão deve voltar com apresentação da Patrícia. O Mion usa um monte de quadros antigos no programa dele, e ele chama de homenagem, mas não deixa de ser uma espécie de remake. O ratinho voltou recentemente com o Show de Calouros. O SBT lançou recentemente o SBT+, o streaming deles, e vejo muita gente animada assistindo aos programas antigos. O domingo pós morte do Silvio, em que o SBT reprisou programas apresentados pelo Silvio e repercutiu muito. Então realmente eu não estranharia se daqui pra frente a gente visse novas versões de programas antigos. Acho que nostalgia vende porque leva o público pra aquele lugar no passado, onde às vezes a gente era feliz, traz boas lembranças. E não só isso, tem toda a curiosidade de comparar o antigo com o novo. Eu acho que pode acontecer sim de remakes de programas de TV, é uma tendência que vejo se mantendo e que, em alguns casos, pode dar certo.

OP - As polêmicas e comportamentos contraditórios de Silvio Santos, que é acusado de racismo e LGBTfobia, podem impactar no reconhecimento de seu legado no futuro?

Larissa - Eu acho que não completamente porque o Silvio tem um legado muito grande quando se fala de TV e ainda existe uma geração grande que ainda pegou toda essa parte dele. Existem duas gerações diferentes aí: uma que se acostumou com streaming e TV a cabo, e uma que foi criada com os pais vendo TV aberta e que tem essa relação um pouco mais próxima com o que já era o Silvio Santos, com programas de TV. Mas eu acho que quem tem um impacto, especialmente para quem é mais novo. Porque você tem aí, sim, pessoas que não pegaram todos esses auges do Silvio Santos. Existe hoje uma geração que não assistiu aos programas da TV e que ficou sabendo dele pelas polêmicas, das coisas que ele disse que não deveria ter dito, das opiniões equivocadas, e aí você vê uma diferença de tratamento, sim. Até quando a gente cobriu a morte dele no canal, teve uma ou outra pessoa que comentou ‘Gente, vocês estão falando de uma pessoa que falou um monte de coisa errada’. Mas eu acho que a gente já teve outros nomes que também têm essa questão e que não foram completamente apagados enquanto artistas. Até porque eu acho que ele ser completamente apagado é quase impossível, talvez uma hora a gente tenha mais gente questionando as coisas que ele fez e que não foram tão interessantes, não foram tão legais assim, que foram polêmicas e questões com preconceito. Vai ter uma geração aí que foi muito mais impactada por isso do que pelo legado de TV, principalmente os que não acompanham muito televisão aberta. Mas Sílvio passou por um bom tempo em várias gerações em que ele não foi questionado enquanto figura. E, daqui para frente, eu acho que tem um grande nome, mas um nome que também vai ser questionado.

OP - Um dia após a morte de Silvio Santos você publicou no X (antigo Twitter): “Eu acho uma loucura viver em um mundo onde silvio santos não existe”. O que você queria dizer com isso?

Larissa - Para mim, ele sempre existiu. Até porque meus avós assistiam muito e eu me lembro, de pequena, das músicas do programa. Tem algumas figuras que parecem que elas sempre existiram, na minha geração, como o Silvio, a Hebe, o Jô, todas essas pessoas que, quando eu nasci, meus pais já acompanharam. Quando você pensa que não vai ter mais Silvio Santos, é um fim do mundo como eu conheci. Também tem muitas pessoas que assistiam ao Silvio Santos comigo e também já não existem mais, meus avós já faleceram, meu pai já faleceu. Então, você vai vendo que aquelas figuras que compartilharam o mundo com você, seja na TV, ou seja na sua própria vida, e a TV também acaba criando esse tipo de memória, que vai acabando, eu acho que essa é a sensação. O mundo, como eu conheci, está se transformando. E é engraçado esse Tweet que fiz porque as pessoas mais jovens não conseguiram entender isso. Porque, para elas, o Silvio já não tem esse impacto tão grande, as pessoas dizem ‘A minha vida vai continuar normal. Claro, a minha vida também vai continuar normal, mas há um impacto, é estranho. É estranho quando a gente vai vendo isso acontecer.

OP - Você acha que existe um substituto para o Silvio Santos, uma personalidade forte na apresentação de programas de auditório atualmente?

Larissa - Nossa, é difícil pensar sobre isso. O programa de auditório é uma linguagem que realmente fica muito pensada com o Silvio. E agora a gente tem outros apresentadores que estão aprendendo essa linguagem ainda. Eu via muito isso no Faustão, mas o Faustão também não apresenta mais programas. Por incrível que pareça, acho que o Luciano Huck, não que ele seja a cara de um programa de auditório, eu acho que ele ainda não chegou nisso. Mas eu acho que ele está chegando lá. Ele está se esforçando bem no Domingão, que tem recebido bons resultados. Vejo que ele já está ficando cada vez menos travado em frente à câmera. Tem também o Celso Portiolli, que eu acho muito bom. Ele tem conseguido segurar às 7 horas de Domingo Legal, é muito difícil fazer isso. Eu acho que, da geração mais nova, são esses dois. Eu vi um pouco isso no Marcos Mion, mas isso tem se perdido um pouco. Talvez a gente tenha uma geração que conheça programas com o Luciano Huck. Não me espantaria.

Coisas de TV

O canal "Coisas de TV", presente no Youtube e em todas as redes sociais, foi criado em 2018 por Larissa Martins e Fábio Garcia para repercutir e analisar conteúdos relacionados a novelas e programas da televisão brasileira. A dupla já trabalhava junta como redatores do antigo blog "Coisa de Novela", que esteve no ar até o ano de 2016. Larissa é do Paraná e Fábio, de São Paulo.

Produções sobre Silvio Santos

Para manter a história do maior apresentador da TV brasileira viva, diversas produções audiovisuais e literárias foram feitas nos últimos anos. Entre elas, o livro "Topa tudo por dinheiro", de Mauricio Stycer; e a série "O Rei da TV", disponível no Disney . Estão previstas para estrear em setembro deste ano o documentário "Silvio Santos: Vale Mais do que Dinheiro", no streaming SBT, no dia 12/9; e o filme "Silvio", que chega aos cinemas no dia 5/9.

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