Há 76 anos, o Conselho Estadual de Educação do Ceará (CEE) foi criado. O órgão é parte fundamental do sistema educacional cearense, com o papel de normatizar e orientar a execução de políticas. Foi o quarto conselho estadual a ser criado no Brasil.
Ada Pimentel, presidente do órgão há seis anos, compartilha os principais momentos que modificaram a forma de fazer educação do Estado. Apesar de muitos não conhecerem o trabalho do Conselho, Ada defende que as deliberações afetam a todos que passam por uma escola.
O órgão atua se adaptando aos tempos, desde a luta pela universalização do ensino pós-Constituição de 1988 até os esforços para incluir a tecnologia de maneira segura na sala de aula.
“É um desafio muito grande que o Conselho seja cada vez mais o guardião da aprendizagem no estado do Ceará. E por isso é que ele tem de estar muito atento em acompanhar, em fazer análise das estatísticas e dos resultados das avaliações externas”, disse Ada ao O POVO.
A educadora analisa ainda os principais desafios a serem superados pelo Ceará na área, como o desenvolvimento de um ensino mais crítico e a boa formação de professores da educação básica.
“Nós estamos bem, podemos comemorar, mas ainda tem muita coisa a fazer”, opina a presidente.
O POVO - Professora, mais de sete décadas de Conselho. Eu queria saber quais são algumas das decisões e momentos mais marcantes para a educação cearense nesse período. O que teve mais impacto?
Ada Pimentel - O ensino no País tem evoluído através dos tempos. Nem sempre o ensino foi obrigatório, nem sempre foi intencional, nem sempre foi sistemático. E o Conselho de Educação do Ceará foi um dos pioneiros. Ele é o quarto conselho mais antigo do País.
O primeiro é da Bahia, segundo do Rio Grande do Sul, terceiro de Alagoas e o quarto é o Conselho Estadual de Educação do Ceará, que foi criado em 1948, em dezembro, mas só foi publicado no Diário Oficial em 1949, no dia 21 de janeiro de 1949. Depois, foi mudado o seu nome para Conselho Técnico, subordinado à Secretaria de Educação.
Foi quando surgiu a Lei nº 4.024 de 1961, que foi a primeira LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional] no País. Foi determinada a criação dos conselhos estaduais para descentralizar o ensino do País, porque até então tudo emanava do ministério. E aí ele teve uma nova roupagem, uma nova mudança. O governador Virgílio Távora foi o renovador do Conselho Estadual de Educação nos moldes da época e dessa necessidade. Depois tiveram outras legislações e nós estamos sob a égide da Lei nº 9.394, que é a lei atual do ensino, embora tenha tido mais de 90 emendas.
E com isso surge, na década de 1990, o ensino fundamental obrigatório. Surge também a lei do Fundef [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério], que depois foi transformada na lei do Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação], para atingir a educação básica. Teve todos esses impactos, teve a descentralização dos campos das universidades.
Para o ensino básico, esse período da década de 1990 foi muito importante. Mas em cada época ele teve sua marca. O Conselho evoluiu de acordo com as épocas em que a sociedade se impôs.
O POVO - Mesmo com uma história tão rica e longa, muita gente não sabe exatamente o que o Conselho faz, até mesmo qual a importância do órgão. Eu queria saber o que você acha que pode ser feito para aumentar o conhecimento em relação ao Conselho.
Ada - Realmente, o Conselho é um órgão invisível. Ele não se apresenta diretamente, mas todos nós que temos uma escolaridade, tivemos a ação do Conselho indiretamente. Porque com a criação dos conselhos estaduais, nós tivemos de ter o sistema de educação do estado do Ceará. E esse sistema é constituído quando vários órgãos se reúnem tendo o mesmo propósito.
Aqui no Ceará, nós temos os órgãos executivos, que são a Seduc e a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior - porque as três universidades estaduais estão vinculadas ao Conselho Estadual, mas elas são vinculadas à Secitece. O Conselho é um órgão normativo. Tem a lei nacional e nós interpretamos essa lei, assessoramos o governo na área de educação, deliberamos, nós temos várias funções para que as escolas funcionem.
O Conselho tem de credenciar as instituições de ensino, para que aquele prédio seja credenciado para oferecer ensino regular. Depois, nós temos de reconhecer os cursos. Anteriormente, os cursos eram reconhecidos e pronto. Mas agora não, eles são reconhecidos e quando termina a vigência daquele reconhecimento, ele passa pelo mesmo processo. Nós temos de avaliar as escolas.
Hoje usamos muito as avaliações externas para que a gente renove o reconhecimento dos cursos. Quando o resultado dessa avaliação não está dentro dos parâmetros para que ele seja reconhecido, tem um banco de avaliadores aqui e a gente envia o profissional avaliador especialista. Nossos instrumentos de avaliação são baseados no Inep, adaptados ao estado do Ceará. A gente faz avaliação e reconhece o curso por dois anos, três ou no máximo cinco anos.
O POVO - O Ceará teve muitos avanços na educação nas últimas décadas. Quais são alguns desafios que a gente tem pros próximos anos?
Ada - O estado do Ceará, no cenário nacional, desponta. Suas escolas têm demonstrado um bom desempenho, tanto no Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] como também agora no Enem, com a conquista de muitos alunos que chegaram a ter nota máxima na redação.
E nós temos superado a questão da alfabetização, que iniciou esse processo como uma política no município de Sobral na década de 1990. Depois, o governador Cid Gomes fez parcerias e um regime de colaboração com os municípios e deu assistência técnica a todos os municípios para alavancar a questão da alfabetização como uma política pública estadual. No governo da presidenta Dilma também houve essa expansão para os outros estados.
Então, no aspecto da alfabetização, a gente instituiu como política pública e temos tido sucesso. Houve mudança na questão fiscal, em relação ao ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços], que um dos critérios para a distribuição desse recurso tinha de passar pelo bom desempenho do município na educação.
Então, nós estamos bem, podemos comemorar, mas ainda tem muita coisa a fazer. Nós temos de fazer com que se desenvolva uma aprendizagem de forma mais crítica. Antigamente o professor era magister dixit, era o que o professor dissesse, porque ele era a fonte de informação. Hoje não. Hoje nós temos até informação demais.
O que nós precisamos é fazer com que os alunos processem toda essa gama de informação, produzam conhecimento para aplicar no mundo, na sociedade, e que ele aproveite tanto no campo do trabalho como também no exercício da cidadania. E em um mundo de mudanças vertiginosas, nós precisamos fazer com que o ensino no país tanto lhe dê a base da produção de conhecimento, como também se dedique às novas tecnologias que estão à nossa disposição. Precisamos investir muito em ciência, em tecnologia e para isso nós precisamos ter uma base escolar.
O POVO - Falando nisso, um dos principais desafios agora pro dia a dia na escola com certeza é esse convívio seguro e responsável com o celular. A gente agora tem uma nova legislação proibindo esse celular na sala de aula. Qual a sua opinião em relação a essa legislação e como o Conselho pode auxiliar as redes escolares a lidar com isso?
Ada - O uso indiscriminado dos aparelhos eletrônicos tiveram um impacto muito grande na sociedade, especialmente o celular. Esse uso indiscriminado tem prejudicado muito as relações humanas, os diálogos, as brincadeiras, que são espaços da escola que podem ser ocupados pela criançada, pela juventude.
Eu acho que foi o momento oportuno para que a lei nº 15.100 fosse homologada e publicada. Esta lei tem por objetivo (lendo) "dispor sobre a utilização por estudante de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais, inclusive telefones celulares nos estabelecimentos públicos e privados do ensino da educação básica, com objetivo de salvaguardar a saúde mental, física e psíquica das crianças e adolescentes".
Embora exista essa vedação, essa proibição do uso indiscriminado, nós temos o artigo terceiro onde aparece as condições e as oportunidades nas quais ele pode ser liberado para uso. Porque não sei se você percebe as regras de comportamento hoje, os jovens estão muito isolados, presos a um equipamento.
A tecnologia veio para ficar, ela é um instrumento fantástico. Eu agora digo como o escritor García Márquez, quando ele na autobiografia fala: "Vivi para contar". Quer dizer, eu sou da década de 40. Eu vivi para assistir essa maravilha que é a tecnologia e os instrumentos de comunicação, de informação, para pesquisa. Mas nós não podemos nos escravizar, ficar numa dependência extrema desses equipamentos eletrônicos, portáteis e especialmente o telefone celular.
Estudos desenvolvidos têm demonstrado que as pessoas estão cada vez se isolando mais, criando um estilo de dependência incontrolável. Precisa de regra nesse aspecto. E começa pela escola, pública e privada, as duas estão na jurisdição do Conselho Estadual de Educação. Eu acho adequado e acho também que a própria lei possibilita o uso adequado, sistemático e objetivo desses equipamentos.
O primeiro impacto é grande porque a gente só foca na proibição. A gente não percebe nas entrelinhas, inclusive até no próprio texto da lei que existem as possibilidades de uso. Ele pode ser usado como instrumento pedagógico, instrumento didático.
Na minha época só existiam os atlas, os mapas. Hoje não, você quer ver a floresta amazônica daqui, quer ver online a questão da Faixa de Gaza, você manda abrir. Mas este uso tem de ser didático, orientado, fazendo parte de uma metodologia de trabalho.
A escola tem seu regimento escolar e ela é que vai, a partir da lei, estabelecer as regras e também as possibilidades de uso. O Conselho não é capaz de compreender todas as necessidades que existem numa escola para o uso na sala de aula, considerando sala de aula não só aquele espaço físico na instituição de ensino, mas as salas de aula que a sociedade oferece: os museus, as grutas, o próprio conhecimento do entorno da escola, a sua cidade, o seu mundo. Então, é através do regimento escolar, que é a constituição da escola, são as regras da escola, que a escola vai orientar como atender essa lei.
O POVO - Quais são os principais objetivos do Conselho pros próximos anos, pros 80, pros 90?
Ada - O Conselho tem essa função definida por lei. Ele é órgão normativo, deliberativo, consultivo. Ele tem de cumprir a lei. Agora, o mundo, os objetivos, a vida muda e a gente vai estar sempre atualizada para desenvolver o trabalho de deliberação, de consulta, de orientação às redes de ensino, porque nós somos o órgão normatizador.
Estamos preocupados hoje com um dos grandes desafios que é a formação do professor, de fazer com que as atividades escolares e a formação dos alunos seja feita de uma maneira mais crítica. A gente espera que as escolas sejam bastante eficientes para desenvolver esse trabalho.
E para isso a grande importância do professor, não para desenvolver aquele papel que ele anteriormente desempenhava, mas para que ele trabalhe com os alunos no teatro, no trabalho em grupo, no foco dos objetivos que se tem a atingir.
É um desafio muito grande que o Conselho seja cada vez mais o guardião da aprendizagem no estado do Ceará. E por isso é que ele tem de estar muito atento em acompanhar, em fazer análise das estatísticas e dos resultados das avaliações externas. E orientar também os projetos pedagógicos e os tipos de avaliação que devem ser desenvolvidos nas escolas.