"O desconforto em falar sobre dinheiro está muito relacionado à escassez e à dor que vivemos"
Nathália Rodrigues de Oliveira, 26, mais conhecida como Nath Finanças, é referência na educação financeira no Brasil. Formada em Ciências Econômicas e pós-graduada em Gestão Financeira, ela se tornou uma das principais vozes do país quando o assunto é ensinar sobre dinheiro de forma prática e acessível, especialmente para pessoas de baixa renda.
Nascida e criada na periferia de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, Nath sabia desde cedo que a realidade econômica do seu entorno muitas vezes desestimulava as pessoas a se interessarem por finanças. No entanto, ela encontrou no conhecimento financeiro uma forma de mudar sua própria vida e, com isso, passou a inspirar milhares de brasileiros.
Em 2019, ela decidiu compartilhar seu conhecimento na internet. Conquistou um grande público e tornou-se reconhecida por sua abordagem simples e didática. Além de seu trabalho nas redes sociais, Nath é empresária, liderando uma equipe de 24 funcionários, e mantém uma coluna na revista Extra.
Ela também é autora de dois livros: Orçamento sem falhas e O plano perfeito, escrito em parceria com o escritor Ziraldo, voltado para a educação financeira infantil.
Com sua trajetória, Nath se tornou não apenas uma influenciadora, mas uma verdadeira defensora de uma educação financeira mais inclusiva, mostrando que entender de dinheiro pode transformar vidas.
O POVO - Esta entrevista parte de um ponto, talvez um senso comum, de que a juventude está mais desesperançosa em relação ao futuro financeiro. Ela não junta, não tem interesse em investir, porque julga ser impossível conquistar bens como casa e carro. Então, por que juntar para algo incerto, que talvez nunca chegue?
Você, como alguém que observa o mercado, a economia e o público mais jovem de perto, qual é a sua visão sobre isso?
Nath Finanças — Percebo uma diferença significativa entre a Geração Z da década de 1990 e a Geração Z da década de 2010. Essas gerações têm visões completamente diferentes em relação ao dinheiro. Quando falamos de finanças e educação financeira, para quem viveu na década de 90 e está chegando aos 30 anos, o cenário é bem distinto.
Essa geração vivenciou um avanço tecnológico muito rápido, mas, ao mesmo tempo, sofreu com dificuldades financeiras e até com um certo trauma financeiro, sem nem sombra de uma educação financeira. Falar de educação financeira para nós, que enfrentamos essas dificuldades, muitas vezes causadas pela falta de estabilidade dos pais, se tornou uma questão delicada.
Agora, quando falamos sobre a Geração Z de 2010, vemos que ela está começando a se preocupar com questões como a compra de uma casa própria ou a falta de estabilidade no emprego. Nós passamos por um período de grande instabilidade, e isso afeta nossa relação com o dinheiro.
Já a Geração Z mais jovem, que nasceu depois de 2000, está chegando à fase adulta com muito mais acesso à informação e à educação financeira. No entanto, paradoxalmente, essa geração prefere não conversar sobre dinheiro ou normalizar essa discussão, apesar de ter mais acesso a ferramentas que podem ajudar nesse aspecto.
São pessoas com perspectivas totalmente diferentes. Inclusive, nossa geração, aos 30 anos, não aceita certos tipos de emprego que nossos pais aceitariam, como trabalhar por salários baixos e em condições de trabalho precárias. Estamos muito mais exigentes e questionadores, preocupando-nos com a nossa saúde, bem-estar e, consequentemente, com a saúde financeira.
OP - Por que a gente não gosta de falar sobre dinheiro? Existe alguma motivação por trás desse desconforto em falar sobre o tema?
Nath Finanças — Acho que o desconforto em falar sobre dinheiro está muito relacionado à escassez e à dor que vivemos. Muitas pessoas da nossa geração viram seus pais passando dificuldades financeiras ou não podendo comprar coisas para a gente. Pelo menos na minha experiência, quando minha mãe comprava presunto e queijo, era um luxo.
Era algo como: 'Meu Deus, estou comendo queijo e presunto!' Ou um Danone, que só podia ser comprado no começo do mês, porque no final não havia mais dinheiro para isso. Passamos por um momento de falta real, em que não conseguíamos nos organizar financeiramente. Não era por falta de vontade, mas porque, na maioria das vezes, simplesmente não tínhamos acesso.
Na primeira oportunidade de ter dinheiro, mesmo que pouco, muitas vezes queríamos gastar com coisas que nunca pudemos ter, como sair para o McDonald's, comprar uma roupa ou um tênis. E acabávamos nos endividando. Eu, por exemplo, quando fiz 18 anos, tentei fazer o meu primeiro cartão de crédito da Marisa, e acredito que não fui a única. Muitos de nós já fizemos isso, ou até emprestamos o nome para os pais, para comprar itens básicos para casa.
Essa geração passou por uma transição financeira muito difícil. Tenho certeza de que a geração de 2000 a 2010 em diante não enfrentará as mesmas dificuldades, o medo de falar sobre dinheiro e o trauma financeiro que enfrentamos. Por isso, vejo que nossa relação com o dinheiro é completamente diferente da de gerações anteriores.
OP - Você sente que essa geração tem vergonha de se envidar? Como se sujar o nome fosse o maior pecado que ela poderia estar cometendo no início da vida adulta?
Nath Finanças - Com certeza. Não é que nossos pais não se sentissem mal, mas, naquela época, não havia alternativa. Eles 'sujavam' o nome para comprar uma geladeira, um fogão, coisas básicas. Ou compravam e ficava com o nome sujo, ou não comprava.
Ninguém vai para a cadeia por sujar o nome, mas, para a gente, só ouvir falar em SPC já gera um medo, um calafrio. O medo de ficar com o nome sujo é muito real, porque os juros são tão exorbitantes que você não consegue pagar a dívida, ela se torna impagável.
Eu gostaria muito que nossa geração não se sentisse tão culpada. Claro, devemos honrar nossas obrigações financeiras e pagar as contas, mas não podemos nos culpar por não conseguir pagar, pois os juros são abusivos, chegam a ser escandalosos. A dívida se torna impagável, não porque não queremos pagar, mas porque realmente é impossível.
Quando decidi falar sobre educação financeira e sobre dívidas, foi com a intenção de mostrar que, sim, estamos em uma situação difícil, mas não podemos simplesmente ignorar as dívidas. Às vezes, quando você deixa de pagar um mês de fatura, ela já se duplica e, meses depois, vira um valor impagável. Como é possível uma dívida que começa pequena virar 1 milhão? Isso é um absurdo. Não podemos normalizar esse tipo de situação.
Então, trazer a comunicação sobre educação financeira, de como lidar com dívidas e negociar essas dívidas, é fundamental. A educação financeira está começando a ser implementada agora nas escolas, algo que nunca aconteceu antes. O impacto disso, no entanto, só veremos nas gerações futuras, não na nossa.
Falando sobre o cartão de crédito, é o clássico. Quem nunca 'sujou' o cartão de crédito aos 18 anos? Seja porque emprestou para alguém, para seus pais, ou porque acabou se endividando por causa do limite alto que nos oferecem. Acreditamos que o limite é parte do nosso salário e acabamos nos enrolando. Isso vira uma bola de neve, porque não tivemos acesso à educação financeira para entender como usar o cartão de crédito de maneira inteligente e a nosso favor.
OP - Você entra no cenário da internet como uma pessoa que traz a questão da educação financeira e da nossa relação com o dinheiro de uma forma acessível. O que acaba atraindo muito o público mais jovem. Antes de começar a sua trajetória na internet, você sentia falta desse tipo de linguagem nas redes?
Nath Finanças - Eu senti que, em 2018, quando comecei a pesquisar, já existiam pessoas falando sobre educação financeira. Essas pessoas já estavam há uns 4 anos nesse campo. No entanto, quem falava sobre educação financeira eram pessoas que nunca saíram do ponto de partida de ser pobre, de baixa renda, de passar dificuldades, como pegar trem ou metrô. Essas pessoas tiveram acessos e sabem da importância de falar sobre finanças, mas elas falam com um recorte de classe que não reflete a realidade da maioria.
Por exemplo, falar para alguém que vive pagando aluguel, enquanto você ganhou uma casa e um carro dos seus pais, é uma realidade completamente diferente, porque você já tem segurança. E quando a gente não tem segurança, como faz? Quando não temos essa base, como lidamos com as finanças?
Então, para a nossa realidade financeira — para quem é pobre, de baixa renda, estudante, bolsista ou trabalhador assalariado — a situação é completamente diferente. Precisamos de um recorte totalmente distinto. Porque, caso contrário, estaremos sendo injustos, tanto com as pessoas quanto com a informação que estamos trazendo.
Quando vejo que a educação financeira é dita como sendo para todos, é preciso ter calma. Existe um nicho específico. Você não pode dizer que sua educação financeira é para todos se, na verdade, ela é voltada para um recorte de classe. Ela, assim, atende apenas uma pequena parcela da população, algo em torno de 3%.
Foi por isso que decidi criar a Finanças e a NAT Play, com o objetivo de trazer esse conhecimento para um nicho maior, mais próximo da realidade da maioria das pessoas.
Eu vejo que, ao longo dos anos, até mesmo as pessoas que antes falavam de educação financeira para um público mais rico começaram a mudar o discurso. E eu não fico triste com essa mudança, pelo contrário, fico feliz, pois elas estão reconhecendo que a realidade delas não é a da maioria e estão começando a trazer o conteúdo de forma mais acessível e próxima da realidade e esse é o caminho.
Empresária
Além de seu trabalho nas redes sociais, Nath é empresária, liderando uma equipe de 24 funcionários e colunista da revista Extra
Livros
Ela é autora de dois livros: Orçamento sem falhas e O plano perfeito, escrito em parceria com Ziraldo