Desafios e perspectivas da educação a distância em tempo de isolamento social
REDAÇÃO ENEM: CHEGO JUNTO, CHEGO A 1.000!
Dificuldade de adaptação do ambiente domiciliar às atividades de ensino, aprofundamento de vulnerabilidades sociais, pais com defasagem de alfabetização tendo de orientar os filhos, acesso limitado ou mesmo inexistente à internet. Estes são alguns aspectos do cenário de ensino remoto durante a pandemia de Covid-19. Os meses de isolamento social trouxeram desafios para a Educação e dependem de articulações de políticas públicas para recuperar perdas.
O acesso à internet
Relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgado em 27 de agosto indica que pelo menos um terço das crianças em idade escolar — 463 milhões em todo o mundo — não conseguiu acessar o ensino remoto quando a Covid-19 fechou suas escolas
“O grande número de crianças cuja educação foi completamente interrompida por meses a fio é uma emergência educacional global. As repercussões poderão ser sentidas nas economias e sociedades nas próximas décadas”, afirma Henrietta Fore, diretora-executiva do Unicef
No Brasil, a pesquisa TIC Educação 2019, divulgada no segundo trimestre de 2020 e feita no segundo semestre do ano passado, 17% dos estudantes de escolas urbanas não têm acesso à rede. Esse índice é de 76% nas escolas rurais
Em casa, apenas 41% dos alunos brasileiros têm computador portátil, 35% têm computadores de mesa e 29% possuem tablet.
No Nordeste, um a cada quatro alunos que têm acesso à rede o faz apenas pelo celular
Dificuldades para além da inclusão digital
Conforme o período sem atividades presenciais avança, estudantes apresentam dificuldades para manter sua rotina de estudos. O percentual era de 58% em maio e passou a 67% em julho
Aumentou também o percentual de alunos cujos pais temem que desistam da escola por não conseguirem acompanhar as atividades: de 31% em maio e junho, para 38% em julho
48% dos responsáveis percebem estudantes menos envolvidos com as atividades do que estavam antes da pandemia. Para 18%, os estudantes perderam o interesse nos estudos
Segundo a percepção do pais ou responsáveis, 77% dos alunos estão tristes, ansiosos, irritados ou sobrecarregados na pandemia
“A ansiedade está ligada, muitas vezes, à falta de perspectiva com o término da pandemia. A escola tem a possibilidade de reduzir esse sentimento ao intensificar o contato com a família e os alunos informando sobre os próximos passos, dando dicas de estudos em casa”, diz o diretor executivo da Fundação Lemann, Denis Mizne
Fonte: Datafolha. “Educação Não Presencial na Perspectiva dos Estudantes e suas Famílias”
Aulas remotas no Ceará
Em média, 4 em cada 10 alunos das redes municipais de educação do Ceará não têm acesso à internet, podendo chegar até 50% em alguns municípios, conforme a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime)
Em Fortaleza, a rede municipal conta com 231 mil alunos, matriculados em 581 unidades (entre escolas, Centros de Educação Infantil e creches). Conforme a Secretaria Municipal da Educação (SME), desde 20 de março, atividades pedagógicas estão sendo disponibilizadas por meios digitais ou por entrega e recebimento dos materiais didáticos
Dados de acompanhamento da SME, registram que cerca de 99% dos alunos do Ensino Fundamental interagiram com professores e entregaram atividades. Na Educação Infantil, a taxa é de 95,5%. Já na Educação de Jovens e Adultos tem o menor índice (cerca de 94%)
Em todo o Estado, são 423 mil alunos matriculados no Ensino Médio público atendidos em 728 escolas. De acordo com a Secretaria de Educação (Seduc), o livro didático foi estabelecido como principal ferramenta para as aulas remotas. Material impresso, aulas pelo rádio e pela TV foram viabilizados para estudantes que não têm acesso à internet
O Ceará tem ainda 1.588 escolas privadas. De acordo com o Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino (Sinepe) no Ceará, cerca de 95% destas escolas adotaram atividades remotas e ferramentas digitais
As aulas presenciais foram suspensas no Ceará em 20 de março, na mesma semana em que os três primeiros casos de Covid-19 foram confirmados no Estado. A flexibilização das atividades tem início em setembro a partir da Educação Infantil.
A capacitação dos professores
No Brasil, nove em cada dez professores da rede pública não tinham experiência anterior à pandemia para dar aulas remotas
Apenas três a cada dez professores da Educação Básica possuem tanto equipamentos quanto preparo necessário à realização das atividades
A grande maioria dos professores de todas as etapas da Educação Básica (média de 80%) relata aumento das horas de trabalho gastas na preparação das aulas não presenciais
Mais da metade dos professores das redes municipais (53,6%) afirma que não recebeu qualquer tipo de formação para aulas remotas online. Entre os profissionais das redes estaduais esse percentual é de 24,6%
As principais formas de atualização dos professores sobre o uso de tecnologias são aprendizado sozinho (93%), por meio de contatos informais com outros professores (82%) e com tutoriais online (81%)
Fontes: UFMG; CNTE. “Trabalho Docente em Tempos de Pandemia”.
Cetic.Br. Pesquisa TIC Educação 2019
Possíveis perdas
11.771 crianças e adolescentes têm maior risco de abandonar a escola no Ceará durante as aulas remotas ou após o período pandêmico. O dado é do Unicef e abrange 176 municípios. Esses alunos nunca estiveram ou estavam afastados das classes desde 2017, mas foram reinseridos em 2020 no ensino público
O período de isolamento pode implicar também uma redução nas arrecadações de tributos e, consequentemente, um subfinanciamento da Educação. Em todo o País, a queda nos repasses pode ir de R$ 17,2 bi a R$ 52,4 bi, segundo a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca)
Opinião
"O distanciamento social dado pela Covid-19 aflorou questões sobre efervescências socioemocionais, desigualdades socioeconômicas, além da limitação ou ausência de acesso à Internet de boa qualidade. No contexto educacional, o ensino presencial foi interrompido e revelaram-se lacunas na formação docente para uso de ferramentas digitais. Os professores sentiram-se desafiados a replanejar suas práticas, adequar o processo de ensino, garantir a qualidade da aprendizagem e, ainda, compreender que o ensino remoto não se trata exatamente de educação a distância (na sua essência), mas de uma forma de ensino circunstancial, que, apesar de não ser o ideal, é o possível para o momento. Com isso, evidenciou-se que as tecnologias digitais deixaram de ser contingenciais e emergiram como fundamentais para que os processos didático-pedagógicos fossem fortalecidos. Tendo em vista que a perspectiva de inovação pedagógica aquece o debate sobre o ensino presencial e que é urgente pensar sobre as potencialidades da educação a distância e do ensino híbrido – os quais contribuem para o desenvolvimento da interatividade e da autonomia do estudante, a partir de um ensino mais criativo e inovador –, convido a todos e todas para uma reflexão sobre o que temos, o que queremos e o que deve orientar as discussões sobre a educação brasileira no século XXI.
Maria José Costa dos Santos, professora da Faculdade de Educação da UNiversidade Federal do Ceará (UFC) e coordenadora do Programa de Apoio e Acompanhamento Pedagógico (PAAP/UFC)
APOSTA DO ENEM
O tema dessa inforreportagem foi escolhido por professores que compõem a banca o concurso "Redação Enem: chego junto, chego a 1.000", uma realização da Fundação Demócrito Rocha (FDR). A partir deste tema, estudantes da 3ª série do Ensino Médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da rede de escolas públicas do estado do Ceará são convidados a escrever uma redação nos moldes do exame. Com publicação às terças-feiras, os próximos temas serão: A relevância da ciência para o mundo contemporâneo; As lições aprendidas pela sociedade em meio à pandemia do coronavírus; Adolescência e o despertar para o exercício da cidadania; Holocausto: para lembrar e não para esquecer.