O Ceará conta com 3,4 milhões de pessoas com algum grau de insegurança alimentar, de acordo com as estimativas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no último trimestre de 2023.
A pesquisa aponta que mais da metade dos domicílios cearenses têm acesso a alimentos suficientes. No entanto, estima-se que a insegurança alimentar está presente em 35,1% dos domicílios do Ceará, atingindo 3.455.000 de moradores.
A situação de indisponibilidade de alimentos em quantidade e qualidade adequada é categorizada conforme a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia) em três níveis: leve, moderada e grave.
A maior parte dos domicílios em que os moradores apresentaram algum nível de insegurança alimentar era do tipo leve. Isso significa que os moradores tinham preocupação quanto ao acesso aos alimentos no futuro, precisando comprometer a qualidade da alimentação para que os insumos fossem suficientes para todos do lar. Conforme a Pnad, 2,1 milhões de cearenses estavam nesta situação.
Já a insegurança alimentar moderada estava presente em 245 mil domicílios, com estimativa de afetar 724.000 pessoas ou 7,7% da população. Nesse nível, os moradores, principalmente os adultos, já passavam a conviver com restrição quantitativa de alimentos.
O nível grave de insegurança alimentar, que representa falta de alimentos para todos os moradores, inclusive para as crianças da casa, era a realidade de 546 mil pessoas no Ceará, de acordo com as projeções da pesquisa.
Atualmente há no Estado iniciativas que auxiliam na alimentação de famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Entre eles está o projeto Cozinhas Solidárias, do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), que recebe doações de valores e alimentos e transforma em refeições.
Marília Vitória, 21, é uma das pessoas que encontraram na ação uma forma de garantir o almoço dela e da família. Moradora do bairro Jangurussu, em Fortaleza, a jovem consegue marmitas em uma cozinha solidária e resolveu ainda ajudar ao conhecer o projeto de perto, se tornando uma das voluntárias.
"A gente tem o bolsa (família), mas é uma vez por mês. Ai tem alimentação, tem contas né? Elas (marmitas) ajudam bastante, bastante mesmo, pra gente que precisa já é uma grande ajuda (...) Vejo muita gente que precisa, como gestante, idoso que mora só, que não tem familiares que ajudam", diz.
Quanto ao resto das refeições e aos dias em que ela não consegue as marmitas, a jovem relata precisar contar com uma rede solidária: "A gente vai dando um jeitinho, pedindo ajuda, indo do jeito que dá".
TABELA: Diminuição da insegurança alimentar em relação a população nordestina entre os anos de 2017-2018 e 2023
Estado | Pnad 2023 | Pnad 2017-2018 |
Rio Grande do Norte | 33,4% | 54,7% (diminuição de 21,3%) |
Ceará | 35% | 46,9% |
Paraíba | 35,9% | 53,4% |
Alagoas | 36,2% | 56,7% |
Pernambuco | 37,6 | 48,3% |
Bahia | 40,1% | 45,3% |
Piauí | 42% | 46% |
Maranhão |
43,6% | 66,1% (diminuição de 22,5%) |
Sergipe | 49,1% | 48,5% |
Em relação aos outros estados do Nordeste, o Ceará é atualmente o segundo em menor insegurança alimentar. A primeira colocação é ocupada pelo estado do Rio Grande do Norte, que registra 33,4% da população com algum grau dificuldade de acesso a alimentos.
A ultima edição da Pnad Contínua foi realizada entre os anos de 2017-2018. Na época, o Ceará possuía 46,9% da população com algum grau de insegurança alimentar. Com o registro mais recente, o Estado diminui em quase 12% a população com dificuldade de acesso a alimentos.
As regiões Nordeste e Norte têm as maiores taxas de insegurança alimentar leve, moderada e grave. Enquanto o Sul, Sudeste e Centro-Oeste têm 83,4%, 77% e 75,7% dos domicílios em segurança alimentar, respectivamente, no Nordeste e no Norte a proporção cai para 60%.
O Norte apresenta a maior porcentagem dos domicílios em insegurança alimentar grave, com 7,7%. No Nordeste, o número é de 6,2%. Já no Sul e no Sudeste, 2% e 2,9% das residências estariam nesse nível de fome.
Em 2023, 4,1% dos domicílios brasileiros tinham moradores em situação de insegurança alimentar grave, 5,3% no nível moderado e 18,2% na categoria leve. As proporções são comparadas pelo IBGE com as analisadas na Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2017-2018. Nessa pesquisa, as proporções de domicílios em insegurança alimentar era maior em todas as categorias.
De acordo com Francisco Menezes, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e analista de políticas da ActionAid (organização internacional de combate à pobreza) no Brasil, a melhora nos índices de segurança alimentar pode estar atribuída a diversos fatores:
“Com as trocas de governo, passamos por um período de desmonte de políticas públicas que tinham impactos favoráveis na questão da segurança alimentar, mas que foram restituídos mais recentemente. Junto a isso, tivemos uma melhora no pós-pandemia, a recomposição salarial e o aumento nos índices de emprego, inclusive dos empregos formais”, pontua o especialista.
Apesar da melhora do cenário quando comparada à pesquisa de 2018, a Pnad Contínua de 2023 aponta que os domicílios em insegurança alimentar têm maior proporção de responsáveis mulheres e pessoas negras ou pardas.
Há ainda uma relação entre a escolaridade do responsável pelo domicílio e o nível de insegurança alimentar. Aqueles em que o responsável tem baixa escolaridade têm maior participação nos índices de IA.
Uma em cada dez famílias brasileiras enfrenta insegurança alimentar moderada ou grave
A insegurança alimentar moderada ou grave atingia 7,4 milhões de famílias brasileiras (ou 9,4% do total) no último trimestre de 2023. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quinta-feira (25).
Segundo o IBGE, esses mais de 7 milhões de lares que convivem com a redução na quantidade de alimentos consumidos ou com a ruptura em seus padrões de alimentação abrigam 20,6 milhões de pessoas.
A metodologia da pesquisa envolve um questionário sobre a situação alimentar do domicílio nos 90 dias que antecederam a entrevista. “A gente não fala de pessoas [individualmente], a gente fala de pessoas que vivem em domicílios que têm um grau de segurança ou insegurança alimentar”, destaca o pesquisador do IBGE Andre Martins.
O domicílio é, então, classificado em quatro níveis, segundo a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar. O grau segurança alimentar demonstra que aquela família tem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente.
De acordo com o IBGE, 56,7 milhões de famílias brasileiras (que reúnem 152 milhões de pessoas) encontram-se nessa situação.
O grau insegurança alimentar leve afeta 14,3 milhões de famílias (43,6 milhões de pessoas) e significa que há preocupação ou incerteza em relação aos alimentos no futuro, além de consumo de comida com qualidade inadequada de forma a não comprometer a quantidade de alimentos.
Já a insegurança alimentar moderada atinge 4,2 milhões de famílias (11,9 milhões de pessoas) e demonstra redução quantitativa de alimentos entre os adultos e/ou ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos entre os adultos.
Por fim, a situação mais severa é a insegurança alimentar grave, que representa uma redução quantitativa de comida e ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos entre todos os moradores, incluindo as crianças. São 3,2 milhões de famílias, ou 8,7 milhões de pessoas, que se encontram nesse cenário.
Na comparação com o último levantamento sobre segurança alimentar, a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) realizada em 2017 e 2018, no entanto, houve uma melhora na situação no País.
O percentual de domicílios em situação de segurança alimentar subiu de 63,3% em 2017/2018 para 72,4% em 2023. Já aqueles que apresentavam insegurança alimentar moderada ou grave recuaram de 12,7% para 9,4%. A insegurança alimentar leve também caiu, de 24% para 18,2%.
“A gente teve todo um investimento em programas sociais, em programas de alimentação, principalmente esses programas de [transferência de] renda. Isso reflete diretamente na escala de insegurança alimentar, que responde bem a esse tipo de intervenção”, afirma Martins. “A recuperação da renda, do trabalho também se reflete na segurança alimentar”.
Outro indicador que provoca melhora da situação é a redução dos preços dos alimentos. Em 2023, por exemplo, os produtos alimentícios para consumo no domicílio tiveram queda de preços de 0,52%.
O pesquisador do IBGE Leonardo de Oliveira ressalta, no entanto, que não é possível atribuir apenas ao ano de 2023 o avanço ocorrido, uma vez que se passaram cinco anos entre a POF 2017/2018 e a Pnad Contínua do quarto trimestre de 2023. E não houve nenhuma pesquisa do IBGE sobre segurança alimentar entre essas duas.
“É importante ter em mente que esse movimento não são melhorias de um único ano. O resultado aqui é consequência de todos os movimentos da renda e movimentos de preço que aconteceram entre esses dois períodos”, destaca Oliveira. “Esse resultado não é apenas do que aconteceu no último ano, embora coisas que tenham acontecido nesse último ano são importantes”.
A situação de segurança alimentar, no entanto, ainda está inferior àquela observada no ano de 2013, quando o assunto foi abordado pela Pnad. Naquele ano, a segurança alimentar era garantida a 77,4% dos lares, enquanto a insegurança alimentar leve atingia 14,8% dos domicílios, a insegurança moderada, 4,6% e a insegurança grave, 3,2%.