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O que pode o município fazer na área da segurança pública?
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O que pode o município fazer na área da segurança pública?

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A segurança municipal entrou de vez no debate público, infelizmente, pelos motivos menos nobres. No entanto, trata-se de uma boa oportunidade para refletir sobre o potencial dos municípios incidirem, de forma coordenada, nas causas da criminalidade e da violência. Iremos abordar, ao longo do ano, algumas questões relativas a isso.

Os municípios passaram a ser vistos como atores importantes na prevenção às causas da criminalidade no fim dos anos 1990. Essa função será acentuada na década seguinte a partir de um forte investimento do governo federal, por meio dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci).

A entrada em vigor do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) formalizou o papel dos municípios como protagonistas na definição e na execução de políticas de segurança em seu sentido mais amplo. A Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS), lei nº 13.675/2018, propôs deveres e responsabilidades aos integrantes estratégicos do SUSP. No plano municipal, temos: a criação ou manutenção do Conselho Municipal de Segurança Pública e Defesa Social; formulação de um Plano Municipal de Segurança Pública e Defesa Social e a instituição de órgãos de ouvidoria.

É esperado que os agentes públicos locais conheçam a realidade de cada território mais de perto e identifiquem de forma mais precisa as demandas de cada comunidade, fazendo com que os programas de prevenção sejam mais eficazes em sua aplicação e na obtenção de resultados tangíveis.

Os gestores municipais podem fazer muito pela segurança pública das cidades e isso vai além de medidas já conhecidas, como investir em iluminação pública (que é muito necessário) e fortalecer a Guarda Municipal (cujo papel será discutido em outra coluna). As prefeituras podem atuar como catalisadoras de um processo de mobilização social que vise ao fortalecimento da confiança e do capital social, com impactos promissores na redução da criminalidade.

A teoria que subsidia essa afirmação - que tem o sociólogo Robert Sampson como um de seus principais expoentes - afirma que a lógica espacial durável organiza e medeia grande parte da vida social, tendo os bairros e as comunidades locais como um componente chave. "Os contextos dos bairros são socialmente produtivos e determinantes importantes da quantidade e qualidade do comportamento humano em seus próprios direitos", argumenta.

A atuação dos indivíduos localizados em vizinhanças pode impactar na melhoria de suas próprias vidas, em um fenômeno que é conhecido como "eficácia social", que traz consigo os elementos de coesão social, expectativas compartilhadas em torno de controle social e a disposição para a ação coletiva. A confiança e as expectativas compartilhadas são centrais nesse processo, mesmo que as relações entre os vizinhos não sejam de intimidade.

A ideia de eficácia social atualiza o dito africano que "é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança", entendendo-se aí a educação como um conceito bastante amplo, que envolve cidadania, participação e responsabilidade com o bem comum, ofertando um caminho que vá além do ofertado pelo mundo do crime.

A ação de grupos armados e a desconfiança na polícia são fatores limitantes. O medo é um fator que mina qualquer possibilidade de confiança. Não à toa é o principal instrumento utilizado pelas organizações criminosas em seus domínios. Em um estudo voltado à realidade do Rio de Janeiro, Alba Zaluar e Ana Paula Ribeiro afirmam que eficácia social "só aconteceria quando houvesse condições locais de segurança que permitissem a intervenção dos vizinhos".

Escrito em 2009, o artigo traçou o que seria o futuro das periferias de Fortaleza 15 anos depois: "Os moradores dessas áreas pobres não contam com os serviços públicos de qualidade nos setores da saúde e da educação e têm de enfrentar os efeitos desastrosos da falta de policiamento, com incursões eventuais e violentas de forças policiais que não se guiam pelas normas estabelecidas na lei. Este é mais um elemento a ser adicionado para se compreender a facilidade com que se deu o domínio dos traficantes armados sobre seus territórios".

Mesmo diante de tais desafios, as prefeituras podem para estimular a eficácia social, com foco em segurança cidadã, de várias maneiras: a) fomentando espaços e oportunidades para que a população debata e articule iniciativas de melhoria; b) apoiando movimentos e entidades que já atuem nos territórios, firmando parcerias pontuais em ações de intervenção social; c) provendo serviços básicos nas áreas mais vulneráveis da cidade, conhecidas como assentamentos precários; e d) integrando-se ao policiamento comunitário, remodelando-o como forma de mediação de conflitos e apoio às famílias.

Como se vê, há muito o que se fazer. O importante é ter em mente que é sempre possível encontrar soluções no campo da segurança, do micro para o macro, sem apelar para soluções mirabolantes e dispendiosas.

Ricardo Moura é jornalita, doutor em Sociologia pela Univerdidade Federal do Ceará e pesquisador do LEV/UFC.

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