Logo O POVO+
Senado retoma discussão da PEC que prevê privatização de praias no Brasil
CIDADES

Senado retoma discussão da PEC que prevê privatização de praias no Brasil

Apesar do nome, parlamentares alegam que a Proposta não trata da privatização das praias, mas sim da transferência dos terrenos de marinha para ocupantes particulares, estados e municípios
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
PRAIA DO CUMBUCO: se aprovada a PEC, áreas de marinha podem ser privatizadas  (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE PRAIA DO CUMBUCO: se aprovada a PEC, áreas de marinha podem ser privatizadas

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2022 (leia na íntegra), que sugere a privatização das praias no Brasil, voltou a ser debatida no Congresso Nacional nesta semana. A PEC propõe que os terrenos de marinha sejam transferidos para ocupantes particulares, estados e municípios. De autoria do ex-deputado federal Arnaldo Jordy (Cidadania-PA), foi votada na Câmara dos Deputados em 2022 e aprovada pela Casa naquele mesmo ano. O texto passou por uma comissão especial e estava parado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

No dia 27 passado, foi realizada uma audiência pública a fim de discutir a proposta. Participaram do encontro integrantes do Governo Federal e representantes de entidades. O texto, cujo relator é o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), tem enfrentado resistência entre os senadores da base do Governo, que avaliam a medida como um “retrocesso”. Em sua justificativa, Flávio,  aponta que a União até hoje não demarcou a totalidade dos terrenos de marinha e, ainda, que muitas casas são registradas em cartório, mas foram objetos de demarcação pela União, “surpreendendo proprietários”.

Contrapondo à PEC, parlamentares mencionam estudos de organizações e entidades ambientalistas que sinalizam que a eventual aprovação pode comprometer a biodiversidade do litoral brasileiro. Apesar do nome, parlamentares alegam que a Proposta não trata da privatização das praias, mas sim da transferência dos terrenos de marinha para ocupantes particulares, estados e municípios.

O texto debatido no dia 27 exclui um trecho da Constituição que diz que os terrenos de marinha são de propriedade da União. A PEC quer estabelecer que as praias sejam transferidas a proprietários privados mediante pagamento para aqueles que estão inscritos regularmente no “órgão de gestão do patrimônio da União”.

“Passam ao domínio pleno dos estados e municípios as áreas afetadas ao serviço público estadual e municipal, inclusive as destinadas à utilização por concessionárias e permissionárias de serviços públicos”, diz o texto da PEC.

Em contrapartida, a proposta mantém sob domínio da União: áreas afetadas ao serviço público federal, inclusive as destinadas à utilização por concessionárias e permissionárias de serviços públicos; unidades ambientais federais; e áreas não ocupadas.

O que são os terrenos da marinha

Conforme o texto em discussão no Senado Federal, os chamados terrenos da marinha são aqueles que ficam nas praias e nas margens dos rios e lagoas, além dos espaços que contornam as ilhas com águas ligadas aos mares.

Nos dias atuais, as áreas estão sob o domínio da União, contudo, a PEC sugere repassar a propriedade para estados e municípios de forma gratuita, ampliando ainda a possibilidade de repasse a ocupantes privados mediante pagamento.

A delimitação de quais áreas  são terrenos de  marinha é hoje prevista pelo decreto-lei nº 9.760, de 1946, que criou a Linha do Preamar Média (LPM), tida como uma definição do fim da área marítima.

De acordo com a legislação, os terrenos de marinha dispõem de uma profundidade de 33 metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831. De acordo com o art. 20, VII, da Constituição Federal de 1988, são bens da União. Vale ressaltar que, apesar do nome, não têm relação com a Marinha do Brasil.

Os imóveis construídos nesses locais têm escritura, contudo, os moradores devem pagar anualmente uma taxa à União e aforamento sobre o valor do terreno. No regime de aforamento, o morador do imóvel passa a ter um domínio útil sobre o terreno de marinha. Em linhas gerais, a área fica repartida entre a União e o morador.

Impacto da privatização na biodiversidade e pesquisas

Para a professora de Direito Ambiental do Laboratório de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC), Juliana de Melo, a PEC tornaria as praias muito vulneráveis, estando sujeitas à especulação imobiliária.

“As praias são ambientes frágeis, compostos por vários ecossistemas, como os mangues, campos de dunas e outros. Com o risco de privatização de parte do litoral, isso também pode interferir na dinâmica das comunidades tradicionais, não dando a oportunidade de todos usufruírem da faixa praial, atualmente públicas e de livre acesso”, diz.

Ainda conforme Juliana, a aprovação da proposta pelo Congresso Nacional sinalizaria um “retrocesso”, visto que o sistema costeiro brasileiro é resguardado no texto constitucional.

“A possibilidade de privatização das nossas praias pode trazer danos irreversíveis, tanto do ponto de vista ambiental quanto social”, avalia.

O modelo já vigora na cidade de Veneza, situada no nordeste da Itália. Lá, os banhistas devem pagar uma taxa para estar na praia, pois a maioria das costas é controlada por hotéis e empresas privadas. Na Itália, as prefeituras outorgam concessões a empresas para que administrem trechos das praias.

Em troca do pagamento, estes hoteis e empresas têm permissão para controlar os chamados “estabelecimentos balneários”, que são as zonas de praia onde são prestados serviços em troca de uma tarifa. O uso de rede e guarda-sol é pago, assim como o consumo de bebidas e utilização dos banheiros.

O molde é semelhante ao utilizado no Brasil, no entanto, na Itália esses estabelecimentos cobram, inclusive, para colocar o pé na areia. E não permitem o acesso de nenhuma pessoa que não pague, mesmo que ela leve seus itens, como toalha e guarda-sol.

No país europeu, também não é permitido que o banhista leve sua própria cadeira e entre no mar, a menos que pague uma taxa, que pode custar até 30 euros, cerca de R$ 168.

Siga o canal de Notícias do O POVO no WhatsApp 

O que você achou desse conteúdo?