Quando a imprensa brasileira surgiu, em 1808, sob influência da família real portuguesa, ler e escrever eram privilégios concedidos apenas aos mais abastados. Como resultado, o jornalismo no Brasil foi por muito tempo feito somente por homens brancos e ricos. Mulheres, excluídas socialmente, precisaram brigar por um espaço profissional nas mídias — onde ainda hoje enfrentam obstáculos como o assédio.
Sob a alcunha de "Imprensa Régia", o meio de comunicação foi criado no País no dia do aniversár nome io do príncipe regente D. João (1767-1826). Espaço possibilitou a edição da Gazeta do Rio de Janeiro, primeiro jornal da colônia americana e que tinha como concorrente o Correio Braziliense, periódico produzido em Londres e que entrava no Brasil de forma clandestina, por ser proibido pela Corte Portuguesa.
Ambos os jornais eram comandados por homens. Segundo a jornalista Heloísa Vasconcelos, autora do livro "Ipomeias - mulheres do século XIX na imprensa cearense", quando os veículos de comunicação surgiram no Brasil, os índices de analfabetismo da população eram muito altos.
"As mulheres praticamente não tinham essa participação [no jornalismo], não sabiam ler, não tinham estudo, eram criadas muito pra casamentos, e os poucos homens com acesso ao estudo eram ricos", explica a autora.
Ainda segundo a jornalista, para uma mulher saber escrever e participar da imprensa ela tinha que ser de uma família abastada. Mesmo enfrentando esses desafios, poucas mulheres, privilegiadas socialmente, tentaram ocupar um espaço na mídia ao longo dos anos e se tornaram pioneiras.
Uma delas foi Nísia Floresta Brasileira Augusta, que em 1931 se tornou a primeira pessoa do sexo feminino a publicar textos em jornais no Brasil, sendo ainda percussora de ideais feministas na imprensa. Já Narcisa Amália de Campos foi a primeira mulher a se profissionalizar como jornalista no País, fundando em 1884 o jornal Gazetinha, que tinha como subtítulo “folha dedicada ao belo sexo”.
Já na televisão, que chegou ao Brasil em 1950, Glória Maria foi um nome pioneiro em muitas frentes. A jornalista foi, por exemplo, a primeira repórter a aparecer na TV e a primeira mulher negra no meio. Hebe Camargo também foi uma das pioneiras, apresentando na TV Paulista, a partir de 1955, "O Mundo é das Mulheres", primeiro programa feminino da televisão.
Alguns dos marcos importantes da participação feminina nos jornais brasileiros:
Fonte: Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
Essas mulheres pioneiras, que brigaram por lugar nos meios de comunicações, ajudaram a abrir espaço para as demais. Hoje, o cenário da imprensa brasileira é muito diferente do observado há séculos atrás, conforme aponta uma pesquisa sobre sustentabilidade econômica do jornalismo na América Latina, desenvolvida pela equipe da LCA Consultoria e divulgada em dezembro de 2023.
Documento mostra que as mulheres eram a maioria dos jornalistas em atuação no País em 2021, representando 51,2% dos profissionais da época. Levantamento indica ainda uma participação superior de mulheres na mídia brasileira em relação a de homens observada desde 2011.
"Pra gente ocupar esses espaços foi necessário que muitas mulheres se forçassem a ocupar esses espaços mesmo enfrentando preconceitos, mesmo enfrentando olhares feios da sociedade. É muito relevante que a gente tenha essa representatividade pra que outras mulheres também possam ver e pensar que são capazes também e que a gente consegue crescer, não só na imprensa mas em qualquer área que é muito masculinizada", destaca a jornalista Heloisa Vasconcelos.
Ser a maioria nos meios de comunicação, no entanto, não dá garantias de proteção às jornalistas mulheres, que ainda precisam enfrentar obstáculos para seguir carreira, como preconceito, importunação sexual e assédio. Exemplo mais recente ocorreu nos Jogos Olímpicos de Paris-2024, quando a repórter Verônica Dalcanal disse ter sofrido importunação sexual durante uma entrada ao vivo na TV Brasil.
A jornalista Kamila Fernandes, professora do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), destaca que tanto importunação sexual como assédio moral são impostos às mulheres em todas as áreas, frisando ainda questões como disparidades salariais e sub-representação em cargos de liderança.
Já a comunicadora Heloisa Vasconcelos aponta um outro obstáculo para as mulheres na imprensa brasileira: "Em algumas áreas que são ainda mais masculinizadas as mulheres jornalistas acabam sofrendo mais, como mulheres que cobrem esportes, têm que batalhar duas, três vezes mais para conseguir ter seu espaço ali. A gente começou só agora a ter mulheres narrando jogo".
"[É necessário] Ter mais debates contra o machismo e promoção da diversidade. Só com ambientes mais diversos a gente consegue vencer o preconceito", completa.
Conforme a jornalista Kamila Fernandes, dentro da representatividade feminina há ainda uma necessidade de diversidade plural que contemple todos os tipos de mulheres e impacte positivamente as novas gerações.
"A gente tem que pensar em representatividades mais plurais em todos os níveis. Hoje de fato a mulher esta muito presente [na imprensa brasileira]. Nós temos muitas jornalistas mulheres com diferenças, mas quantas mulheres negras? Quantas com deficiência? Quantas pessoas com histórias diferentes?, indaga.
"Essa diversidade, essas vozes, esses olhares têm que estar cada vez mais diversos mesmos, e esse é o desafio ainda, mas sem dúvida nenhuma isso está mudando. A mídia vai se adaptando e vai se adequando às demandas da sociedade. A sociedade quer isso, quer essa diversidade, quer se enxergar mais na mídia, e isso vai sendo absorvido aos poucos pelos meios de comunicação", completa.
O tema desta inforreportagem foi escolhido por professores que compõem a banca do Concurso “Redação Enem: chego junto, chego a 1.000”, uma realização da Fundação Demócrito Rocha em parceria com a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc-CE). A partir deste tema, estudantes da 3ª série do ensino médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) das escolas públicas estaduais são convidados a escrever uma redação no modelo dissertativo-argumentativo, o exigido no Enem. A publicação das cinco inforreportagens, referentes aos cinco temas propostos, serão publicadas hoje e nos dias 27/8; 3/9, 10/9 e 17/9